100 anos dos Argonautas do Pacífico Ocidental

Em 2022 ocorre o centenário do livro Argonautas do Pacífico Ocidental (Argonauts of Western Pacific), escrito pelo antropólogo polonês…

Em 2022 ocorre o centenário do livro Argonautas do Pacífico Ocidental (Argonauts of Western Pacific), escrito pelo antropólogo polonês Bronislaw Malinoswki (1884-1942), referência na antropologia social e fundador da escola funcionalista. Seu livro se tornou uma das mais importantes obras da antropologia e da etnografia.

Publicado em 1922, o livro foi o resultado da pesquisa de campo de Malinowski empreendida entre 1915 e 1918, em que ele realizou duas expedições, onde viveu meses entre o povo trobiandese, nas ilhas Trobriand, situada ao norte da Austrália e leste da Nova Guiné, englobando a região da Melanésia, na Oceania. Por conta do relato de expedições marítimas contido no livro, Malinowski comparou os trobiandeses com os argonautas da mitologia grega, os quais empreenderam uma arriscada viagem marítima para chegar ao reino mítico da Cólquida.

“Com raras exceções, as populações costeiras das ilhas do sul do Pacífico são – ou foram, antes de sua extinção – constituídas de hábeis navegadores e comerciantes. Muitas delas produziram excelentes variedades de canoas grandes para navegação marítima, usadas em expedições comerciais a lugares distantes ou incursões de guerra ou conquistas. Os papua-melanésios, habitantes da costa e das ilhas periféricas da Nova Guiné, não são exceção a esta regra. São todos, de maneira geral, navegadores destemidos, artesãos laboriosos, comerciantes perspicazes. Os centros de manufatura de artigos importantes – tais como artefatos de cerâmica, implementos de pedra, canoas, cestas finas e ornamentos de valor – encontram-se em localidades diversas, de acordo com a habilidade dos habitantes, a tradição herdada por cada tribo e as facilidades especiais existentes em cada distrito. Destes centros os artigos manufaturados são transportados a diversos locais, por vezes a centenas de milhas de distância, a fim de serem comerciados”. (MALINOWSKI, 1976, p. 21).

Enquanto o mundo estava na Primeira Guerra Mundial, Malinowski na época com 30 anos, viajou à Trobriand para fazer seu trabalho de campo ao estudar in loco a cultura e sociedade daqueles povos, principalmente em referência a prática do kula, um intercâmbio cultural, em que tribos do arquipélago viajam para levar presentes ou mercadorias. Consistindo numa prática ritualística envolvendo crenças religiosas e mágicas, algo central na cultura daquele arquipélago e de arquipélagos vizinhos, pois habitantes de outras ilhas se envolvem no kula.

“O Kula é uma forma de troca e tem caráter intertribal bastante amplo; é praticado por comunidades localizadas num extenso círculo de ilhas que formam um circuito fechado. Esse circuito aparece no mapa V, representado pelas linhas que unem uma ilha à outra ao norte e ao leste do extremo oriental da Nova Guiné. Ao longo dessa rota artigos de dois tipos – e somente desses dois – viajam constantemente em direções opostas. No sentido horário movimentam-se os longos colares feitos de conchas vermelhas, chamados soulava. No sentido oposto, movem-se os braceletes feitos de conchas brancas, chamados mwali. Cada um desses artigos, viajando em seu próprio sentido no circuito fechado, encontra-se no caminho com os artigos da classe oposta e é constantemente trocado por eles. Cada movimento dos artigos do Kula, cada detalhe das transações é fixado e regulado por uma série de regras e convenções tradicionais; alguns dos atos do Kula são acompanhados de elaboradas cerimônias públicas e rituais mágicos”. (MALINOWSKI, 1976, p. 75).

“Segundo o Dr. Malinowski, a importância que a magia assume nesta instituição constitui uma das facetas mais interessantes e instrutivas do Kula. A julgar pela maneira com que ele a descreve, a realização dos rituais de magia e · o uso de fórmulas mágicas são indispensáveis ao bom êxito do Kula em todas as suas fases – desde a derrubada das árvores, cujos troncos são escavados e transformados em canoas, até o momento em que, terminada a expedição com êxito, as canoas e sua preciosa carga iniciam a viagem de volta ao ponto inicial. […]. Em suma, os nativos crêem que a magia é absolutamente imprescindível, a todo e qualquer ramo de suas atividades – que é tão imprescindível ao bom êxito de um trabalho como as operações técnicas envolvidas, tais como a impermeabilização, pintura e lançamento de uma canoa, o plantio de uma horta, a colocação de uma armadilha para peixes”. (FRAZER, 1976, p. 11).

Além de estudar o kula que ocorre regularmente, tendo rotas fixas, e até preceitos mágico-religiosos envolvidos com a navegação em canoas pelo arquipélago, Malinowski estudou outros aspectos dos trobiandeses como cerimônias, funerais, jogos, festejos, o cotidiano, a pesca, a caça, o plantio, o casamento, a religião, a fé, a magia, os mitos, o artesanato, a construção de canoas, técnicas de navegação etc. Um verdadeiro mergulho na cultura dos trobiandeses, os quais ainda hoje conservam vários desses costumes.

Na época de sua pesquisa, Malinowski optou por uma metodologia etnográfica, a qual dividia a opinião no período, pois alguns estudiosos defendiam que o pesquisador não deveria se misturar com a cultura analisada, pois isso prejudicaria seu juízo de valor. De fato, muitos dos grandes antropólogos do XIX e começo do XX, redigiram seus livros sem terem contato com as culturas e povos estudados, no entanto, Malinowski era de posicionamento contrário, defendendo que o pesquisador deveria ir a campo, realizar a etnografia participativa e não apenas de observação. Além disso, ele foi um dos primeiros a dar valor ao uso do registro fotográfico para o estudo antropológico e etnográfico.

“O método do Dr. Malinowski caracteriza-se pela preocupação em levar em conta a complexidade da natureza humana. Ele observa o ser humano em sua totalidade, ciente de que o homem é uma criatura dotada de paixões tanto quanto de razão, e não poupa esforços para descobrir a base tanto racional quanto emocional do comportamento humano”. (FRAZER, 1976, p. 12).

Após a publicação de Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), Bronislaw Malinoski decidiu fazer uma trilogia sobre sua pesquisa na Melanésia, concluindo-a com os livros The Sexual Life of Savages in North-Western Melanesia (1929) e Coral Gardens and Their Magic (1935). Além desses livros, ele publicou outros estudos de povos melanésios e aborígenes, retornando para a Inglaterra, depois seguiu para realizar estudos na África do Sul e no México durante a década de 1930. Faleceu nos Estados Unidos em 1942, vítima de infarto, aos 58 anos.

“Professor carismático, personalidade poderosa, conferencista magnético, para alguns sua intolerância era opressiva. Malinowski teve uma vida de muitas viagens, amizades, conexões com intelectuais e artistas, plena de títulos e convites para conferências e eventos. Quando voltou a Londres depois da pesquisa de campo, circulou em altas redes intelectuais; conviveu com autores conhecidos, relacionou-se como os Frazers, os Seligmans, Rivers, Bertrand Russel”. (PEIRANO, 2021, p. 399).

Referências

FRAZER, James Georges. Prefácio. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril S.A, 1976. (Coleção Os Pensadores, vol. XVIII).

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. São Paulo: Abril S.A, 1976. (Coleção Os Pensadores, vol. XVIII).

PEIRANO, Mariza. Argonautas, cem anos depois. Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 27, n. 61, p. 379-403, set./dez. 2021.

Leandro Vilar
Leandro Vilar

Sou historiador, professor, escritor, poeta e blogueiro. Membro do Museu Virtual Marítimo EXEA, membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE).

Artigos: 54
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