Os dias 15, 16 e 17 de agosto de 1942 certamente jamais saíram da memória de muitos brasileiros e brasileiras que viveram aqueles tempos tenebrosos. Direta ou indiretamente, homens, mulheres, crianças e idosos foram afetados pelos eventos ocorridos naqueles dias.
Os habitantes dos litorais dos estados da Bahia e Sergipe, em sua maioria, eram pertencentes a comunidades ribeirinhas e de pescadores, grande parte, alheios aos acontecimentos do mundo naquele momento. Repentinamente, viram nos dias seguintes, vários corpos de pessoas, muitos em estado de putrefação, chegando às praias. Imediatamente, estes foram sepultados em cemitérios improvisados nas praias onde se encontravam. Eram as vítimas do algoz alemão, o submarino U-507. Era a primeira vez que em três anos de iniciada a II Guerra Mundial (1939-1945), o Brasil e sua população eram testemunhas do que era a guerra.
Contudo, as vítimas destes ataques não foram as primeiras baixas brasileiras na guerra. Até então um país neutro, o Brasil no começo do conflito, em 1939, decidira não tomar posição, pois mantinha boas relações diplomáticas e econômicas tanto com os países do Eixo (Alemanha nazista e Itália fascista) como com os aliados ocidentais (Inglaterra, Estados Unidos, etc).
Com o decorrer da guerra, contudo, tornava-se cada dia mais evidente que o Brasil não poderia manter esta política de neutralidade por muito tempo. O bloqueio naval feito pelos aliados e a presença cada vez maior de submarinos alemães no Atlântico, levou o país a diminuir e muito seu comércio com a Europa. Assim, os EUA e a Inglaterra passaram a ser os principais parceiros comerciais do Brasil. Esta mudança, além da própria influência dos EUA cada vez maior no continente em prol da “união continental”, levou ao afastamento do Brasil dos países do Eixo.
Em dezembro de 1941 com o ataque japonês a Pearl Harbor (Havaí), os EUA entraram na II Guerra Mundial, e logo em seguida, a Alemanha Nazista declarou guerra aos Estados Unidos. Com estes fatos, os demais países das Américas foram gradualmente tomando posição pela defesa do hemisfério ocidental junto aos EUA contra qualquer agressão que viesse da Europa. Porém, é preciso que se diga que esta política “de boa vizinhança” não era apenas um mero jogo político dos americanos em relação à América Latina. O então presidente Getúlio Vargas como político inteligente, sabia que a posição do Brasil era importante, assim, barganhou com os americanos o apoio do Brasil em troca de benefícios econômicos e militares.
Assim sendo, no começo de 1942, o Brasil e vários outros países da América Latina romperam relações diplomáticas com o Eixo. O que se seguiu depois disso, foi uma série de ataques indiscriminados contra navios mercantes de bandeira brasileira que faziam comércio com os EUA. A maioria deles foi atacado quando navegava entre o mar do Caribe e a costa Leste dos Estados Unidos. Até aquele momento não se sabia, mas estava em andamento uma grande operação militar empreendida pela Kriegsmarine (Marinha de Guerra) alemã: a chamada “operação Paukenschlag” (Rufar dos Tambores em alemão). Submarinos alemães (U-Boats) passaram a operar cada vez mais longe da Europa, adentrando o litoral americano e caribenho, afundando vários navios e causando imenso prejuízo.
Em relação aos navios brasileiros afundados neste primeiro semestre de 1942, foram um total de treze navios afundados, totalizando mais de cem vítimas brasileiras. Diante das notícias cada vez mais presentes de agressão por parte dos alemães a navios de bandeira brasileira, a maioria da imprensa e da população civil começou a exigir uma postura mais firme por parte do governo Vargas em relação aos afundamentos, contudo, o Itamaraty naquele primeiro momento apenas limitou-se a protestar perante a representação diplomática alemã, que permaneceu em silêncio. Com o comércio marítimo brasileiro aumentando com os EUA, o esforço de guerra alemão voltou-se de vez para nosso litoral. E é aí que o U-507 surge em nossas águas.
Perfil do agressor
O U-507 era um submarino alemão do tipo IX (oceânico), uma arma de guerra que era capaz de navegar muitas milhas náuticas sem abastecimento (cerca de 20.000 km de autonomia). Foi construído nos estaleiros da Deutsche Werft AG em Hamburgo em 1940, e comissionado em 1941. Durante toda a sua carreira de guerra, este U-Boat (é chamado assim por ser abreviação do termo alemão Unterseeboot (submarino)), só teve um comandante: o capitão de corveta Harro Schacht. No dia 4 de julho de 1942, o U-507 zarpou da cidade costeira de Lorient (na França ocupada). Era sua terceira patrulha de guerra, e o destino era o Atlântico Sul. Seu objetivo: causar o máximo de danos à navegação mercante.
O submarino possuía capacidade de 22 torpedos, além de canhões em seus deques e armamento antiaéreo. A tripulação era de 54 homens. Pesava 1.100 toneladas, tinha 76 metros de comprimento. Podia chegar a uma profundidade máxima de 230 metros. Sua velocidade na superfície era de cerca de 40 km/h. (Motores a Diesel). Submerso, esta velocidade diminuía para aproximadamente 13 km/h (Baterias Elétricas).
Após semanas atravessando o Atlântico, o submarino alemão chegou à zona de operação de guerra próxima do litoral brasileiro, com total liberdade de ação para tomar decisões. Em suas memórias, o almirante Karl Dönitz, comandante em chefe da frota de Submarinos alemães na época, escreveu mais tarde que a Alemanha, apesar da necessidade, deveria ter evitado quaisquer problemas com o Brasil, contudo, ao mesmo tempo enfatizava que havia necessidade de patrulhamento nas águas do Atlântico Sul, pelo fato do Brasil manter relações comerciais fortes com os EUA (Seus inimigos).
Dönitz dizia ainda, que os navios brasileiros haviam tomado uma postura “hostil”, colocando armas, navegando com luzes apagadas e em “zigue-zague”, táticas utilizadas contra submarinos. Portanto, qualquer rota mercante deveria ser bloqueada, assim argumentava o Almirante, justificando os motivos pelos quais Schacht decidiu investir contra a navegação mercante brasileira em seu litoral. O Brasil, mesmo em posição de neutralidade, seria atacado, e assim o foi. Na noite do dia 15 de agosto de 1942, por volta das 19hrs, navegava tranquilamente ao largo do litoral da Bahia o “Baependi”. Este navio mercante havia zarpado de Salvador, e tinha como destino o porto de Manaus.
Entre seus passageiros civis e tripulantes, também levava consigo muitos militares brasileiros e suas famílias que iriam compor o Grupo de Artilharia de Dorso baseado em Olinda PE. Estudiosos afirmam que existem hipóteses de que a escolha desta área para operações sugere a ação de espionagem alemã em território brasileiro. Independente disso, o Baependy foi torpedeado. Segundo consta em relatos do diário de bordo do U-507, dois torpedos foram disparados mas erraram o alvo. Porém, o terceiro acertou o navio brasileiro. Logo em seguida, 30 segundos depois, veio o segundo torpedo, afundando o navio em apenas três minutos, não deixando tempo para que a maioria das pessoas se salvasse.
Segundo consta, o U-507 estava na superfície, e na ocasião do segundo torpedo, utilizou-se de holofotes para iluminar o alvo, facilitando assim atingir o alvo. Não houve tempo por parte da tripulação para soltar botes salva-vidas, baleeiras ou mesmo enviar mensagem de socorro. 270 brasileiros entre homens, mulheres e crianças, estavam mortos. 53 pessoas se salvaram. Mas mais estava por vir. Duas horas após o Baependi, o U-507 continuou sua caçada, avistando outro navio: o Araraquara. Este navio havia zarpado do Rio de Janeiro com destino a Salvador e em seguida, rumaria para Maceió. Tinha 148 passageiros a bordo.
Disparando apenas um torpedo, o submarino atingiu o navio brasileiro, que partiu-se ao meio. Afundou em apenas 5 minutos, e assim como o Baependi, mais vítimas. Apenas 15 pessoas se salvaram. A próxima vítima do U-507 foi o navio Aníbal Benévolo. Este cargueiro havia zarpado de Salvador rumo a Aracaju no dia 15. Porém às 4 da manhã do dia 16, foi localizado pelo submarino alemão, apenas algumas horas após o afundamento do Araraquara. Na ocasião destes afundamentos (ocorridos a noite e na madrugada), a maioria dos passageiros e mesmo tripulantes estavam dormindo em seus camarotes. Os afundamentos ocorreram em poucos minutos, não dando tempo para a maioria salvar-se.
Com o Aníbal Benévolo ocorreu a mesma situação: não houve tempo para içar baleeiras ou botes salva-vidas, e muito menos, telegrafar com pedidos de socorro. De um total de 150 pessoas entre passageiros e tripulação, apenas quatro se salvaram. Ou seja, em um período de 12 horas entre os dias 15 e 16 de agosto, cerca de 550 brasileiros haviam perdido a vida. No dia 17 de agosto, as notícias da tragédia começaram a chegar nas cidades sobre o aparecimento de náufragos nas praias do Nordeste brasileiro. No dia 17, pela manhã, o Itagiba recebeu através de mensagem de rádio que todos os navios nas proximidades deveriam rumar para o porto mais próximo.
Ele zarpara do Rio de Janeiro, passara por Vitória (ES) e navegava já próximo ao porto de Salvador. O seu destino final era o Recife. Aproximadamente às 11 horas daquele dia, ele estava a apenas alguns quilômetros da Baía de Todos os Santos, quando um torpedo disparado pelo U-507 o atingiu. Das 179 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulantes, 36 morreram. Naquele instante, passavam próximos duas embarcações: o Iate Aragipe e o vapor Arará. O primeiro, conseguiu chegar ao local do afundamento do Itagiba, resgatando vários náufragos. O segundo, realizou o mesmo feito, mas acabou também atingido por um torpedo. Dos 35 homens que tripulavam o Arará, 15 sobreviveram. Portanto, os ataques do dia 17 de agosto totalizaram 56 mortes.
No total foram 607 vítimas, sendo 270 no Baependy, 131 no Araraquara, 150 no Aníbal Benévolo, 36 no Itagiba e, por fim, 20 no Arará. Nos dias seguintes, as notícias destes ataques à navegação mercante brasileira, apareceram na mídia nacional, provocando reações fortes, com protestos na capital federal (Rio de Janeiro) e nas demais capitais brasileiras. A população brasileira e a imprensa exigiam uma resposta dura do governo brasileiro contra a Alemanha Nazista. A revolta da população aumentou quando notícias do aparecimento dos corpos nas praias dos estados de Sergipe e Bahia começaram a aparecer, somados a fotografias chocantes: corpos irreconhecíveis e em estado de putrefação. Mais tarde, o governo brasileiro através do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) produziu um material impresso chamado “Agressão“, no qual publicou tais fotografias. Diferentes entidades civis nacionais e internacionais lançaram notas em solidariedade às vítimas e seu protesto contra os ataques. No dia 22 de agosto, o Brasil declarou Guerra à Alemanha e à Itália.
O U-507 comandado pelo frio e calculista comandante alemão Schacht continuaria a operar em águas brasileiras nos meses seguintes. Contudo, suas vitórias e seu orgulho tiveram um fim amargo, ironicamente, no litoral brasileiro (Ceará) no dia 13 de janeiro de 1943, quando o submarino foi atacado por um avião da Marinha dos EUA baseado em Fortaleza. O avião modelo PBY Catalina pertencia ao esquadrão VP-83. Todos a bordo do submarino pereceram.
REFERÊNCIAS
DOENITZ, Karl. Memoirs Ten Years and Twenty Days. Frontline Books, 2012.
FERREIRA, J. Mortes no mar, dor na terra. Brasileiros atingidos pelo ataque do submarino alemão U-507 (agosto de 1942). Estudos Ibero-Americanos, v. 43, n. 2, p. 275-288, 5 jun. 2017.