EXPOSIÇÃO VIRTUAL

sereias

Esta exposição virtual explora a evolução do mito das sereias ao longo da história, destacando a transformação de sua simbologia.

Exposição

Sereias

Por Dra. Andréa Caselli

O mito das sereias, presente em várias culturas, permanece fascinante. Representadas esteticamente na Antiguidade Clássica em corpos de pássaros e serpentes, transfiguram-se na Idade Média também com corpos de peixes. Criaturas híbridas, a sua mutação também provocou modificações na sua simbologia. A imagem das sereias é parte importante da evolução ultramarina, pois remete para potentes perigos das viagens marítimas que podem ser mortais.

Esta exposição conta um pouco da origem do mito europeu das sereias, mas focando-se em comentar a representação desses seres em pinturas de artistas do século XIX, oriundos de países europeus que são banhados pelo Oceano Atlântico. Assim, no Oitocentos surgiram as escolas do Romantismo e do Simbolismo, que resgataram o sonho, o encanto e a fantasia na arte. Essa foi uma época muito propícia para a aparição de sereias nas artes plásticas e na literatura.

As narrativas sobre sereias, para os pesquisadores das suas formas de expressão artística e literária, mostram uma grande complexidade. Elas se apresentam como um enigma evolutivo durante o devir histórico e sofrem reinterpretações dos contadores de histórias e escritores. A forma da mulher-serpente Equidna descrita na Teogonia de Hesíodo e a sirena em corpo de mulher-pássaro descrita na Odisseia de Homero, permeiam o imaginário antigo sobre as sereias, que passam por uma transformação radical e definitiva ao perderem as formas iniciais para se tornarem peixes; fazendo com que atualmente pertençam ao mesmo tempo ao mundo infernal ctônico, ao mundo musical celeste e ao mundo marinho das navegações.

 

 Na Idade Média a partir das viagens que promoveram a interação entre vários povos, aconteceu a partilha de tradições, histórias e culturas; de tal forma que as sereias passam a ter forma de mulheres-peixe e em alguns casos até de mulheres-serpentes como a Melusine (personagem popular no folclore francês e alemão do final da Idade Média). A imagem da sereia apresenta uma complexidade de sentidos. O Cristianismo passou a associá-las com a ideia de pecado, tentação e luxúria, algo retratado em livros medievais como os bestiários, obras que falavam sobre animais e seres fantásticos.

Este ser mitológico e híbrido é metamorfoseado em metade mulher e metade ave, ou peixe ou até serpente. Possibilita cruzar temporalidades e analisar o sentido das sereias em períodos distintos das nossas artes. Proporciona fazer diferentes abordagens sobre as muitas transformações históricas que esse mito passou. Simples narrativas sobre sereias e mulheres encantadas podem trazer à tona toda uma formação cultural, toda uma transformação religiosa, toda uma transfiguração política.

Muito posteriormente, a partir do século XVIII, a população alemã intensificou as tradições das ondinas e das valquírias, como belas mulheres, fundindo elas com as sereias. Tal miscelânea de influências contribuiu para a elaboração de um rico folclore que tem na imagem da sereia um dos seus principais catalisadores. A representação da feminilidade, na visão do movimento romântico, era figurada em um ser angelical, quase inatingível. Uma figura que, de tão idealizada, perdeu de vez sua concretude, tornando-se um ser etéreo e colocado em um patamar quase divino. A sereia perdeu cada vez mais sua concepção de ser um monstro sedutor e traiçoeiro e foi idealizada como um ícone de beleza.

Era essa impossibilidade de ter a mulher amada que geraram grandes obras literárias nos tempos áureos do Romantismo. Pois é na tristeza provocada pelo “não ter” que o indivíduo descobre que a vida não é racional. A vida não é uma epopéia retilínea e heróica, mas sim uma sinfonia intrincada com momentos cheios de vigor que se contrapõem com momentos de extrema agonia. O resgate da cultura popular colocou em grande destaque as narrativas sobre sereias e seres aquáticos misteriosos.

O Romantismo foi fundamental para os ideias nacionalistas e cada pintor elaborava sereias de acordo com sua cultura local, a fim de reforçar o orgulho nacional. O Simbolismo valoriza o misticismo e a linguagem simbólica. A influência desses dois movimentos permitiu representações artísticas de sereias que remetem ao sagrado e à beleza transcendental.

Às vezes se utilizam de cores fortes e pastéis para ressaltar o sentido onírico do sobrenatural. Perdura o interesse pelo subjetivo, pelo irracional, similaridades compartilhadas também com a paixão inflamada que a sereia inspira. O perigo de aproximar-se das sereias surge nas imagens do inconsciente. Para preservar-se das ilusões da paixão, Ulisses (Odisseu) na Odisseia, agarra-se à dura realidade do mastro (centro do navio e simbolicamente eixo vital do espírito).

Já a Escola Simbolista do século XIX baseava-se principalmente na subjetividade, no irracional e na análise profunda da mensagem, a partir de uma combinação de sensações.

Com objetivos principalmente individualistas e místicos, os artistas simbolistas intuíam criações de pinturas autônomas em relação à realidade, opondo-se fortemente ao Realismo, em que cada símbolo possui uma significação própria a partir das perspectivas do espectador e ou pintor. Para os simbolistas não existiria uma leitura única, mas sim a transmissão de coisas distintas que a obra conceda a cada pessoa.

A presença das sereias torna a água preciosa, especial. E se assim for, a água também se torna seminal, fonte de riquezas para a vida, de tesouros que precisam de bravura e honestidade para serem alcançados. A estética da água, da mulher e da morte não se dispersam. A esperança de prosperidade que permeia a vida e a sedução que leva à morte se encontram em um único ser que ultrapassa gerações e ajuda a preservar a história dos povos navegadores.

exposição

Pinturas & Ilustrações

"O jogo das nereidas"

Arnold Böcklin, Suíça (1886) – Óleo sobre tela

"No jogo das ondas"

Arnold Böcklin, Suíça (1883) – Óleo sobre tela

"Sereias brincando no mar"

Charles Edouard Boutibonne, França (1883) – Óleo sobre tela

"A Sereia"

Edward Munch, Noruega (1896) – Óleo sobre tela

"Sereia"

Elisabeth Jerichau Baumann, Dinamarca (1863) – Óleo sobre tela

"As damas do mar"

Evelyn de Morgan, Reino Unido (1885) – Óleo sobre tela

"Sereia"

Franz Stuck, Alemanha (1891) – Óleo sobre tela

"Sereias brincando nas ondas"

Georges Girardot, França (1890) – Ilustração em aquarela

"As sereias"

Georges Girardot, França (1890) – Óleo sobre tela

"Três Sereias"

Hans Thoma, Alemanha (1879) – Óleo sobre tela

"Ulisses e as sereias"

John William Waterhouse, Reino Unido (1891) – Óleo sobre tela

"Uma Sereia"

John William Waterhouse, Inglaterra (1900) – Óleo sobre tela

"As profundezas dos mar"

Edward Burne-Jones, Reino Unido (1887) – Aquarela

"O pescador e a sereia"

Frederic Leighton, Reino Unido (1856-1858) – Óleo sobre tela

"As sereias"

Gustave Moreau, França (1872) – Ilustração

Créditos

Exposição Virtual: Sereias

Curadoria e texto

Andréa Caselli

Doutora em Ciências da Religião pela Universidade Federal da Paraíba. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos-NEVE e do Reception Research Group. www.andreacaselli.com

Design da exposição

Ticiano Alves

Diretor Geral / Museu Marítimo EXEA

Revisão da Exposição

Leandro Vilar

Coordenador de Exposições / Museu Marítimo EXEA

Camila Rios

Diretora Técnica | Museóloga / Museu Marítimo EXEA

Rebeca Garcia

Coordenadora de Diversidade e Inclusão | Museóloga / Museu Marítimo EXEA

Raphaella Belmont Alves

Diretora Executiva | Revisora ortográfica / Museu Marítimo EXEA

Fontes

Arnold Böcklin. O jogo das nereidas. Fonte. 1886.

Arnold Böcklin. No jogo das ondas. Fonte. 1883.

Charles Edouard Boutibonne. Sereias brincando no mar. Fonte. 1883.

Edward Burne-Jones. As profundezas dos mar. Fonte. 1887.

Edward Munch. A Sereia. Fonte. 1896.

Elisabeth Jerichau Baumann. Sereia. Fonte. 1863.

Evelyn de Morgan. As Damas do mar. Fonte. 1885.

Franz Stuck. Sereia. Fonte. 1891.

Frederic Leighton. O pescador e a sereia. Fonte. 1856-1858.

Georges Girardot. Sereias brincando nas ondas. Fonte. 1890.

Georges Girardot. As sereias. Fonte. 1890.

Gustave Moreau. As sereias. Fonte. 1872.

Hans Thoma. Três sereias. Fonte. 1879.

John William Waterhouse. Ulisses e as sereias. Fonte. 1891.

John William Waterhouse. Uma Sereia. Fonte. 1900.

Referências

FONTES PRIMÁRIAS

AVIENUS, Rufus. Ora Maritima: or description of the seacost (from Brittany round to Massilia). Traduzido por John P. Murphy. Chicago: Ares, 1977.

CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. 4.ª ed. Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros/Instituto Camões, 2000.

BIBLIOGRAFIAS

CASELLI, Andréa. As sereias que singraram o Atlântico. Práticas da História, Journal on Theory, Historiography and Uses of the Past, n.º 10 (2020): 219-248.

CUNLIFFE, Barry. On the Ocean: The Mediterranean and the Atlantic from Prehistory to AD 1500. Oxford: Oxford University Press, 2017.

MULLER, Alex; Halls, Christopher; Williamson, Ben. Mermaids: Art, Symbolism and Mythology. University of Exeter Press, 2022.

WITTIKOWER, Rudolf. “Marvels of the East: A Study in the History of Monsters”. In Allegory and the migration of Symbols, 159-97. Londres: Thames and Hudson, 1987.

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