Sabores do Mar

Curadoria Leandro Vilar Oliveira e Camila Rios

Apresentação

Um mar de sabores

Já se perguntou qual seria o gosto do mar? Provavelmente você pensará no gosto da água salgada, mas o sabor do mar vai muito além disso, ele se encontra naquele sabor de peixes, camarões, caranguejos, lagostas, polvos, ostras, mariscos, mexilhões etc., os quais são realçados por uma infinidade de acompanhamentos e temperos; a pimenta, o azeite de dendê, o óleo de coco, a salsinha, a cebola, a cerveja, o agrião, a canela, o louro, o coentro, o açúcar e o sal.

No entanto, por que se fazer uma exposição sobre comida? O ato de comer não é apenas uma necessidade biológica, mas também é um comportamento, um costume, uma tradição, em suma, é algo cultural. Comida é cultura. Os tipos de alimentos que consumimos, a forma como o preparamos: cozido, assado, frito, cru; os animais e plantas que comemos ou deixamos de comer; os modos à mesa; os utensílios, os pratos, os banquetes, as comidas de feriado e festivas, tudo isso reflete culturas.

Dessa forma, a presente exposição apresenta algumas receitas de distintos países da Europa, da África e das Américas, tendo como foco o Atlântico, o Caribe e o Mediterrâneo, o que revela a diversidade cultural de comidas, temperos, modos de preparo, animais utilizados, ingredientes, texturas, aparências, sabores e odores.

Cada receita conta um pouco da origem ou importância desses alimentos na cultura nacional de seus países. Assim, convidamos aos visitantas que tenham uma boa leitura e se possível, um bom apetite também.

Variety of fresh seafood.
Amêijoas_à_Bulhão_Pato

Amêijoas à Bulhão Pato (Portugal)

Por Andrea Caselli

Amêijoas à Bulhão Pato (ou Almêijoas à Portuguesa) é um prato típico da culinária portuguesa, com origem na região ao sul do rio Tejo, mais precisamente no conselho de Almada. O atual nome deste prato é um tributo ao poeta português Raimundo António de Bulhão Pato (1828-1912). Filho de Francisco de Bulhão Pato (poeta e  fidalgo português) e da espanhola María de la Piedad Brandy, o poeta Raimundo António de Bulhão Pato nasceu em Bilbao, no País Basco; passando os seus primeiros anos no distrito de Deusto. Bulhão Pato foi monárquico, gastrónomo, memorialista e poeta. Durante a Primeira Guerra Carlista (1837)  e depois de sofrer muitos problemas,  a família foi para Portugal. Ele era amante da caça e da gastronomia, como provam alguns dos seus textos.

Bulhão Pato é considerado um poeta influenciado pelos valores do Ultrarromantismo que o envolveu durante a sua infância e a adolescência (isto é verificado sobretudo em Poesias e Versos, de 1850 e 1862), inspirado por Lamartine e Byron. No livro Escritores à Mesa e outros artistas, o crítico gastronómico José Quitério garante não existir qualquer escrito que demonstre a autoria do prato, admitindo-se que tenha sido uma homenagem de algum cozinheiro ao poeta Bulhão Pato. Porém, o autor conjectura que poderia ser  o cozinheiro João da Mata, chefe de cozinha do antigo Hotel Bragança. Nos tempos de Bulhão Pato, há muito que se comiam (e apanhavam) amêijoas na zona do rio Tejo. Mas parece que ninguém tinha ainda pensado na forma mais simples possível de as cozinhar, na forma que Bulhão Pato, poeta menor e com obra esquecida, inspirou.

O prato Amêijoas à Bulhão Pato consiste em: amêijoas bem cozidas, dentes de alho picados, azeite, limão, coentros, sal e vinho branco; sendo servidas as amêijoas embebidas no caldo e tendo o pão como acompanhamento. É um um petisco, entrada ou acompanhamento do prato principal muito comum em marisqueiras e cervejarias, mas também bastante popular nos lares portugueses aos fins de semana, com a família reunida. Por apresentar o frescor do limão, do coentro e do vinho branco, frequentemente é apreciado durante os dias quentes de verão.

As amêijoas são ricas em ferro e vitamina B12, também apresentam uma quantidade generosa de ácidos antioxidantes, ómega 3, vitamina A, zinco, cálcio e selénio. Elas podem ter casca branca ou cascas escuras e ásperas. As amêijoas mais saborosas são também as mais frescas. À Bulhão Pato, são servidas com casca, abertas e com sumo próprio. Carnudas e bastante suculentas, elas são preferíveis poucos minutos depois de preparadas. Os portugueses costumam sorver a amêijoa diretamente da casca, sem a ajuda de talheres, pois a casca também serve para sorver o caldo. O caldo também é saboreado com o pão de acompanhamento.

Algumas regras de segurança são necessárias para saborear o prato:

  • Por ser um molusco vivo, as conchas devem encontrar-se bem fechadas antes de irem ao fogo. Se entreabertas, devem fechar-se ao mínimo toque.
  • Para retirar a areia, a lavagem deve ser previamente feita, várias vezes, em um recipiente com água fria e sal.
  • Depois de cozinhadas, devem ser rejeitadas todas as conchas que não abrirem.

Amigos, á formosura
Que nos cerca neste instante,
Erga-se a taça escumante
De purpurino licor.
Vivo enthusiasmo rebente
Agora de nossas almas,
Caiam palmas sobre palmas
Cada vez com mais ardor!
(Estrofe do poema “Um brinde”, Bulhão Pato, 1862)

Referências

CARDOSO, Miguel esteves. Em Portugal não se come mal. Assírio & Alvim, Lisboa, 2009.
PATO, Raimundo Antônio de Bulhão. Versos. Typographia da sociedade typographica franco-portugueza, Lisboa, 1862.
PLANTIER, Paul. O cozinheiro dos cozinheiros. P. Plantier-editor, Lisboa, 1890.
QUITÉRIO, José. Escritores à mesa e outros artistas. Assírio & Alvim, Lisboa, 2010.

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Por ricardo – Flickr, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3515890

Calulu de peixe (Angola, São Tomé e Príncipe)

Calulu de peixe (Angola, São Tomé e Príncipe)

Por LEANDRO VILAR OLIVEIRA

O calulu consiste num cozido que pode ser feito de carne bovina, suína, frango, peixe e até camarão. No entanto, para essa receita escolhemos a versão que faz uso de peixe. A origem desse prato é desconhecida e se perde no tempo. Todavia, no caso de São Tome e Príncipe esse arquipélago era desabitado até o século XVI, quando os portugueses iniciaram sua colonização. Ao levar os escravizados para trabalharem nos canaviais ali plantados, o calulu acabou sendo uma das receitas que ali chegou e se enraizou.

Essa receita é feita com peixe seco e fresco. Entre algumas espécies comumente usadas estão a corvina, a perca e o atum. Mas é possível usar outros tipos de peixes. Mas definido o peixe a ser usado, ele é cozido a fogo médio. Como acompanhamento temos tomate, alho, cebola, quiabo, batata doce, espinafre, abobrinha, óleo de palma e sal a gosto. Algumas pessoas optam em colocar também pimenta, gimboa (ou rama), milho, berinjela etc.

O calulu de peixe é uma comida comum e tida como popular de várias localidades de Angola e do arquipélago de São Tomé e Príncipe, já que normalmente é feita em casa, mas há restaurantes e bares que a servem. O calulu pode ser consumido no almoço e no jantar. E há quem até o coma no café da manhã. No caso do almoço e jantar ele pode ser acompanhado de arroz e funge (um tipo de farinha de milho ou de mandioca, bastante comum em Angola), purê de batata, feijão, pão etc.

Essa receita também é usada em festejos e cerimônias religiosas, algo mais típico de São Tomé e Príncipe, em que encontramos o calulu de peixe ou de outro tipo sendo servido em casamentos, festas de aniversário, celebrações, festas católicas associadas aos dias de santos, sobretudo os padroeiros. Calulu de peixe também costuma ser comumente consumido na Semana Santa e até no Natal, em São Tome é Príncipe.

Por conta da escravidão, povos que viviam no que hoje são Angola e São Tomé e Príncipe foram levados às Américas. Eles levaram consigo seus costumes e tradições, e evidentemente sua culinária também. O calulu originou o caruru, um prato brasileiro surgido no século XVI, feito de peixe e quiabo. Já nas ilhas caribenhas o calulu originou o callaloo no século XVII, um prato feito também com peixe e até camarão e lagosta, mas levando ingredientes locais também. Atualmente o callaloo é comumente consumido em países como Jamaica, Trinidad e Tobago e Dominica.

Embora Angola e São Tome e Príncipe tenham litorais bem menores se comparado ao do Brasil, ainda assim, eles em média consomem mais peixes do que os brasileiros, o que revela como o calulu e outras receitas à base de pescado são regulares nesses países, constituindo em sua alimentação diária.

Referências

HAMILTON, Russell G. Calulu of São Tomé: an interview with Conceição Lima. Callalloo, v. 30, n. 1, 2007, p. 119-123.
HAMILTON, Russell G; HAMILTON, Cherie Y. Caruru and Calulu, etymologically and sociogastronomically. Callalloo, v. 30, n. 1, 2007, p. 338-342.

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Por elingunnur – Obra do próprio, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5993191

A fideuà é um prato da culinária espanhola que tem suas origens na região da Comunidade Valenciana.

Fideuà (Espanha)

Por SYLVIA BRITO

A fideuà é um prato da culinária espanhola que tem suas origens na região da Comunidade Valenciana. Um dos pratos mais conhecidos da chamada dieta mediterrânea é semelhante à paella, mas, em vez de arroz, é usado um tipo de macarrão fino como ingrediente principal. A singularidade da fideuà reside no seu sabor característico e na textura especial, uma vez que a massa incorpora os sabores de todos os ingredientes com os quais é preparada.

Os ingredientes básicos da fideuà incluem macarrão do tipo fino, frutos do mar (como camarão, lula, mexilhão, peixe), alho, cebola, pimentão vermelho, tomate. A iguaria é cozinhada com caldo de peixe, azeite de oliva e temperada com açafrão e páprica. Trata-se de um prato de origem popular, reunindo-se originalmente sobras ou ingredientes facilmente coletados, sendo consumido por comunidades pesqueiras no princípio. A fideuà é cozida em uma panela larga e rasa, conhecida como “paellera”, que é semelhante à usada para fazer paella.

O método de preparo consiste em dourar a massa em azeite quente, seguido pela adição de ingredientes, como frutos do mar e vegetais, e o cozimento conjunto com caldo de peixe até que a massa esteja impregnada de todos os sabores. A fideuà é tradicionalmente servida com alioli, um molho de alho e azeite de oliva, que dá um toque extra de sabor.

Referência

PALOMARES, Pedro Ponce. Fideuás. Madrid: Sargantana, 2022.

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Jorge Díaz from Madrid, Spain, CC BY-SA 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0>, via Wikimedia Commons

Filé de peixe na cerveja (Escandinávia)

Filé de peixe na cerveja (Escandinávia)

Por Luciana de Campos

Essa é uma receita antiga que se perde no tempo, mas já era consumida durante a Era Viking (séculos VIII-XI). Neste quesito é preciso lembrar que os nórdicos eram povos com bastante ligação com o mar: a Noruega e a Suécia possuem vastas costas, a Dinamarca é uma península com várias ilhas e a Islândia é uma ilha no norte do mundo. Por conta dessa localização geográfica, o consumo de peixes de água salgada e até de água doce, foi habitual.

E uma das receitas que apresentamos aqui é o filé de peixe na cerveja. Nesse caso, por falta de outros tipos de condimentos e especiarias, as quais somente eram acessíveis pelos ricos e até mesmo com dificuldade, no entanto, o peixe na cerveja consistia numa receita simples e acessível a diversas camadas da sociedade escandinava medieval, fazendo uso de ingredientes de fácil acesso como a cebola, o alho e a manteiga, combinados com restos de pão de duro e cerveja para amolecer e dar sabor.

500 gr de filé de pescada ou merluza,
1 cebola grande bem picadinha,
3 dentes de alhos bem picados,
350 ml de cerveja lager em temperatura ambiente,
1 pão duro ralado,
3 colheres de sopa de manteiga,
Sal a gosto.

Em uma panela grande, derreta a cebola e refogue a cebola e o alho até dourar. Acrescente os filés de peixe um a um e, logo depois a cerveja e deixe cozinhar em fogo baixo até os filés ficarem macios, mas sem desmanchar, por volta de uns 10 a 15 minutos, dependendo da espessura dos filés. Depois retire um por um e coloque em uma travessa. Pegue um pouco do caldo e dilua o pão ralado e engrosse o restante do caldo que ficou na panela. Espalhe esse molho sobre os filés de peixe. Sirva imediatamente. Acompanha cerveja Weiss, IPA ou Witbier.

Referências

CAMPOS, Luciana de. Na mesa com a história: a alimentação na Antiguidade, Era Viking e Idade Média. João Pessoa: Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos, 2021.

FLANDRIN, Jean-Louis e MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. Sâo Paulo: Estação Liberdade, 1998.
MONTANARI, Massimo. O mundo na cozinha. São Paulo: SENAC, 2009.
SOERENSEN, C.T. A cozinha da Escandinávia. São Paulo: Melhoramentos, 1996.

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By Benreis – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=80156212

Fischbrötchen é um tipo de sanduíche com origem no norte da Alemanha e é particularmente popular nas cidades costeiras de Hamburgo, Hanover e Kiel. Normalmente é feito com pão do tipo brötchen, feito de farinha de trigo e tendo a casca crocante. Dentre os peixes utilizados estão o arenque, o salmão, o carapau, a sardinha, o atum, a cavala e o bacalhau.

Fischbrötchen (Alemanha)

Por George Henrique Gomes

Fischbrötchen é um tipo de sanduíche com origem no norte da Alemanha e é particularmente popular nas cidades costeiras de Hamburgo, Hanover e Kiel. Normalmente é feito com pão do tipo brötchen, feito de farinha de trigo e tendo a casca crocante. Dentre os peixes utilizados estão o arenque, o salmão, o carapau, a sardinha, o atum, a cavala e o bacalhau. Os peixes podem ser servidos de forma frita ou assada. No caso do arenque e o salmão esse pode ser defumado, já o bacalhau normalmente é servido de forma frita. O arenque é favorito para esse sanduíche devido a sua abundância no Mar do Norte e no Mar Báltico, sendo tipicamente marinado numa mistura de vinagre, açúcar e especiarias como pimenta e cravo-da-índia.

O fischbrötchen é um alimento de rua, tendo se tornado um fast-food, e pode ser encontrado em muitas lanchonetes, bares, restaurantes, mercados e lojas de conveniência. É frequentemente servido com uma salada de batata ou com batata frita, e pode ser acompanhado por cerveja, refrigerante ou outra bebida, normalmente gelada. Nos últimos anos, o fischbrötchen ganhou popularidade fora da Alemanha e pode agora ser encontrado em festivais de frutos do mar e mercados de especialidades alimentares em todo o mundo. Ele não é apenas um petisco popular ou comida de rua no norte da Alemanha, mas é também um ícone cultural e um símbolo da herança marítima da região.

A tradição de comer sanduíche de peixe remontaria ao início do século XIX, quando os pescadores vendiam seu pescado diretamente aos consumidores nas docas. À medida que a popularidade do pescado crescia, os vendedores começaram a oferecer sanduíches de peixe preparado como uma forma rápida e fácil para as pessoas apreciarem a pesca do dia.

Atualmente o fischbrötchen é um alimento básico da cozinha costeira alemã e é apreciado tanto pelos habitantes locais como pelos turistas. Muitas cidades costeiras têm as suas próprias variações desse sanduíche, com diferentes tipos de peixes, acompanhamentos e molhos. Por exemplo, na cidade de Lübeck, o fischbrötchen é tipicamente feito com arenque Matjes e coberto com um molho cremoso feito de natas azedas, cebolinha e picles. Uma variação feita de camarão cozido ou empanado também foi inventada e vem se popularizando.

Para além de ser um delicioso e conveniente lanche, o fischbrötchen tem também um significado cultural no norte da Alemanha, pois ele está frequentemente associado à indústria pesqueira da região, que tem sido uma parte importante da economia local durante séculos. Muitas cidades costeiras acolhem festivais e eventos anuais de pescado e frutos do mar.

A Feira de Hanover iniciada em 1947 se tornou uma das mais famosas no país, havendo competições do melhor fischbröcthen. Inclusive o pós-guerra impulsionou à venda de fast foods devido à crise econômica que assolou o país pelos anos seguintes. Para muitas pessoas nos anos 1940 e 1950 esse sanduíche de peixe era sua principal fonte de alimentação diária.

Referências

Der Fischbrötchen Report. Schleswig-Holstein und Hamburg. Die besten Fischbrötchen an Nord und Ostsee. Hamburg: Schuppius, 2011.
HEINZELMANN, Ursula. Food culture in Germany. Westport: Greenwood Publishing Group, 2008.

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GeoTrinity, CC BY-SA 3.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0>, via Wikimedia Commons

A moqueca é capixaba o resto é peixada! Os grandes saberes da comida brasileira é envolver o peixe. A moqueca no Espírito Santo é uma refeição que teve origem antes mesmo da chegada dos portugueses ao Brasil, muito envolvida com os saberes nativos com uma mistura de culturas: colonizadores europeus, indígenas e africanos.

Moqueca capixaba (Brasil)

Por Camila Rios

A moqueca é capixaba o resto é peixada! Os grandes saberes da comida brasileira é envolver o peixe. A moqueca no Espírito Santo é uma refeição que teve origem antes mesmo da chegada dos portugueses ao Brasil, muito envolvida com os saberes nativos com uma mistura de culturas: colonizadores europeus, indígenas e africanos.

Apesar da origem indígena a moqueca capixaba como suas outras variantes a baiana e a paraense, receberam acréscimos de ingredientes trazidos pelos europeus e africanos, e a influência desses marca as variações de cada uma das moquecas. Mas o que seria exatamente uma moqueca? A duas hipóteses centrais para a origem dessa palavra, uma é que ela viria do quimbundo mu’keka “caldeirada de peixe”, a outra sugere o tupi opokeka “fazer embrulho”, pois na receita baiana tradicionalmente embrulhava-se a moqueca em folhas de bananeira.

Embora hoje em dia encontrem-se moquecas de camarão, carne, frango e até vegetarianas, as três moquecas tradicionais são feitas de peixe e frutos do mar (sururu, camarão, siriri ou caranguejo). No caso da receita capixaba essa é feita com colorau, cebola, tomate, coentro e o próprio peixe. Nota-se que não se usa leite de coco ou azeite de dendê como na receita baiana, tampouco o tucupi, o jambo e a goma de mandioca como na receita paraense.

Entretanto, a diferença da moqueca capixaba não está apenas nos ingredientes, mas também na forma de preparo. A maneira tradicional é cozinha-la e servi-la em panelas de barro, feitas artesanalmente há mais de duzentos anos, fato que o IPHAN reconheceu a produção dessas panelas em Goiabeiras-ES como patrimônio cultural imaterial brasileiro.

Todo capixaba tem
Um pouco de beija flor no bico
Uma panela de barro no peito
Uma orquídea no gesto
Um cafezinho no jeito
Um trocadilho na brincadeira
Um congo no andar
Um jogo de cintura
Um chá de cidreira
Uma moqueca perfeita
E uma rede no olhar.
Elisa Lucinda

Assim, seja a moqueca capixaba, baiana e paraense, é um prato típico de determinados estados brasileiros, sendo consumido como refeição principal acompanhada geralmente de arroz e pirão. Moquecas podem ser preparadas em casa ou consumidas em alguns restaurantes, sendo os restaurantes praianos e as peixarias especializados nas moquecas de peixe e frutos do mar.

Referências

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2004.
Ofício das Paneleiras de Goiabeiras. – Brasília, DF: Iphan, 2006.

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Camila Rios, 2024.

A paella é um dos símbolos mais tradicionais da cultura mediterrânea. É um prato originário da região de Valência, na Espanha, que consiste de arroz temperado com uma combinação de ingredientes que podem ser frutos do mar, frango, coelho, acompanhado de verduras variadas como pimentões, cebolas e açafrão.

Paella (Espanha)

Por Sylvia Brito

A paella é um dos símbolos mais tradicionais da cultura mediterrânea. É um prato originário da região de Valência, na Espanha, que consiste de arroz temperado com uma combinação de ingredientes que podem ser frutos do mar, frango, coelho, acompanhado de verduras variadas como pimentões, cebolas e açafrão.

Existem várias teorias sobre a origem da palavra “paella”. Uma delas é a sua procedência do idioma valenciano que significaria “panela”. Outra teoria é que a palavra derivaria do verbete árabe “baquiyah” que significa “sobras de comida”. O arroz é um cereal que foi trazido para a Espanha pelos habitantes do norte da África no século VIII. A paella, por sua vez, é resultado do sincretismo de vários hábitos alimentares e culturais dos povos que se fixaram ao longo do tempo na Península Ibérica.

O primeiro registro histórico oficial da “paella” ou “arroz a la valenciana” aparece em um livro de receitas do século XVIII escrito por Don Alonso Muñiz Manjón, Mayordomo del Rey Carlos III y de Carlos IV de Espanha – mas o prato já era elaborado na zona rural de Valência desde o século XV.
O preparo do prato é feito em uma “paellera”, um tipo de panela rasa e ampla feita de ferro fundido. A base composta de arroz é posteriormente coberta com uma variedade de ingredientes frescos, cozida sobre fogo alto. O resultado é um prato delicioso, com um leve aroma do açafrão. Na base da “paellera” deve ficar uma textura crocante e levemente dourada que os valencianos costumam raspar com a parte de detrás da colher.

A paella, como várias outras iguarias do Mediterrâneo, é considerada uma refeição completa que possui uma função social. É um prato que remete a coletividade já que é um prato tradicionalmente compartilhado entre amigos e familiares. É um prato típico de festividades, celebrações de ocasiões especiais e tradicionalmente cozinhado por homens.

Embora seja famosa por ser um prato “litorâneo”, de frutos do mar, a origem da paella advém das zonas rurais valencianas, devido à necessidade dos camponeses e pastores obterem uma refeição fácil de preparar e com os ingredientes que tinham à mão no campo. A paella começou a ser tradicionalmente feita na região de La Albufera e nas povoações vizinhas, e incluía todos os ingredientes disponíveis na localidade, inclusive “la rata de água” ou rato do pântano (um animal característico da Península Ibérica que se alimenta de arroz e vegetais) cujo sabor é semelhante a carne do coelho. Essas eram carnes mais baratas e acessíveis para os camponeses, diferentemente da carne de pato, destinada aos reis e nobres. O consumo de ratos era frequente e popular em toda a Península Ibérica, especialmente em tempos de escassez.

Os ingredientes originais do prato (que são utilizados até hoje) são coelho ou lebre, galinha, caracóis, legumes frescos, arroz e azeite. A paella valenciana pode incluir, ainda, pato, carne, tomate, favas brancas, pimentão, abobrinha. Já a famosa paella de frutos do mar pode ter camarões, lulas, gambas, mexilhões e amêijoas.

A paella é um dos pratos que melhor simbolizam o sucesso e versatilidade da gastronomia espanhola (pode incluir desde marisco, peixes, carnes, apenas vegetais ou todos os ingredientes misturados).

Referências

DÍAZ-YUBERO, I. La alimentación española en el Siglo XVIII. Madrid: Ministerio de Agricultura, Alimentación y Medio Ambiente, 2004.
PRATS, J. y REYMARTÍN, C. “Las bases modernas de la alimentación tradicional”, Historia de la alimentación rural y tradicional: recetario de Almería, 2, Universidad de Barcelona, 2003.

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Envato Elements, 2024. Licença adquirida para o Museu EXEA. Todos os Direitos Reservados: Envato Elements.

O arenque (em italiano arringa) é um peixe de cerca 30 cm de comprimento que vive em enormes cardumes nas águas frias do Atlântico Norte. O arenque saído dos Mares do Norte, passando por Veneza, chegou ao interior da região do Veneto adquirindo o nome dialetal renga. Este peixe, mostrou-se imediatamente adequado às necessidades das simples mesas daquela época: era um alimento de pobres, mas nutritivo e fácil de preservar mesmo sem os meios de refrigeração de hoje.

Polenta e renga (Itália)

Por Lorenzo Sterza

O arenque (em italiano arringa) é um peixe de cerca 30 cm de comprimento que vive em enormes cardumes nas águas frias do Atlântico Norte. O arenque saído dos Mares do Norte, passando por Veneza, chegou ao interior da região do Veneto adquirindo o nome dialetal renga. Este peixe, mostrou-se imediatamente adequado às necessidades das simples mesas daquela época: era um alimento de pobres, mas nutritivo e fácil de preservar mesmo sem os meios de refrigeração de hoje.

O arenque teve enorme importância econômica nas zonas do norte da Europa durante a Idade Média, até ao final do 1500, porque a sua captura representava uma fonte de alimento proteico quando a criação de animais, a agricultura e o comércio eram insuficientes para alimentar a população.

A conservação era feita em sal ou seca. Sua acomodação no sal ocorreria dentro de algumas horas após a captura praticamente no mar. Esta prática levou ao desenvolvimento de um impressionante comércio de sal entre as cidades da Liga Hanseática e do centro-sul da Europa. Da mesma forma houve o efeito contrário, ou seja, uma grande quantidade de barris de arenque começou a ser comercializada ao Sul e tinha como principal trâmite no Mediterrâneo a cidade de Veneza.

Assim, devido a esse comércio, uma pequena cidade na província de Verona: Parona, tornou-se famosa pelo arenque. A história contada pelos antepassados diz que até ao final do séc. XIX, quando o rio Ádige ainda era navegável, a pequena cidade de Parona era um importante porto fluvial onde residiam atividades comerciais e uma dúzia de tabernas. Como nos fins de semana a navegação na cidade de Verona era proibida, marinheiros-comerciantes que dirigiam barcos e barcaças de madeira que desciam o rio Ádige, atracavam e paravam no porto fluvial de Parona. À noite dormiam nas pousadas e, muitas vezes o pagamento ocorria oferecendo em troca a mercadoria, incluindo os barris de arenque defumado. Foi assim que as taberneiras de Parona começaram a utilizar a renga para preparar um prato que iria combinar com um dos produtos típicos da cozinha veronese: a polenta, uma espécie de pasta de fubá de milho com água e sal, que depois de esfriar era fatiada e grelhada na brasa.

Entretanto, o que mais tornou famosa a polenta e renga, foi a tradição cristã. Sendo que nos dias da Quaresma era proibido comer carne e a lista de coisas para levar à mesa não dava grandes possibilidades de escolha, o prato de polenta e renga tornou-se o principal alimento a ser consumido no período. Assim, o costume de comer este peixe foi tão forte que ainda hoje, os dias da Quaresma também são chamados: i giorni de la renga (os dias da renga).

Além disso, Parona, tornou-se famosa por um evento que têm suas origens relacionada à renga. Desde o século passado, em toda Quarta-feira de Cinzas, ocorre uma festa chamada festa da renga, durante a qual são distribuídos milhares de pratos de polenta e renga. Este evento fecha também o Bacanal del Gnoco, a festa de carnaval da Cidade de Verona, considerada uma das mais antigas da Europa.

Referências

FAGAN, Brian. The fish. Yale University Press, 2017.
BELLUSSI, Alberta. Mi son veneta. Treviso: Alba edizioni, 2018.
https://www.ilcassettodeiricordi.it/la-renga/

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Di The weaver – (Testo originale: selbst fotografiert, aufgenommen im Café Weichhardt ) Opera propria, Pubblico dominio, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7390678

O ragu dos mestres dos barcos pesqueiros consiste numa receita de data incerta, sendo consumida por pelos alemães, ingleses, noruegueses, entre outros povos europeus. Porém, com base no uso de alguns ingredientes como o arroz e a batata, nota-se que algumas versões desse prato são oriundas da Idade Moderna, quando tais alimentos passaram a serem difundidos pela Europa.

Ragu dos mestres dos barcos pesqueiros (Alemanha, Inglaterra, Noruega)

Por Luciana de Campos

Bem antes das geladeiras e freezers e da comida enlatada que proporcionaram uma melhor alimentação aos navegantes evitando assim, doenças e privações que foram as causadoras do insucesso de muitas expedições, quando saiam para o mar, os navios eram carregados com barris de água doce, carnes salgadas, embutidos e uma espécie de biscoito salgado que com o passar dos dias ficava muito duro e repleto de gorgulhos.

Essa alimentação era destinada aos marinheiros já os comandantes tinham acesso ao açúcar, mel, queijos e vinho. Mas como os víveres se estragavam facilmente devido ao excesso de umidade e aos meios de conservação precários, uma maneira de encontrar alimento era pescando e aproveitando tudo o que o mar podia oferecer.

Os mais variados tipos de peixes, crustáceos, mariscos e até tartarugas eram utilizados na alimentação diária de toda a tripulação. Os frutos do mar podiam ser cozidos e assados e eram consumidos por toda a tripulação, claro, as partes mais nobres sempre iam para os pratos dos comandantes!

Dessas viagens surgiram várias receitas que até são reproduzidas e trazem para nossas mesas o sabor das grandes viagens marítimas! E uma dessas receitas é o ragu dos mestres dos barcos pesqueiros também referido como “ragu do capitão” ou “ensopado do capitão”, um prato surgido inicialmente com o uso das sobras obtidas da pesca, sendo cozido nos próprios barcos. Posteriormente em terra acrescentava-se outros ingredientes, criando-se variações dessa receita.

O ragu dos mestres dos barcos pesqueiros consiste numa receita de data incerta, sendo consumida por pelos alemães, ingleses, noruegueses, entre outros povos europeus. Porém, com base no uso de alguns ingredientes como o arroz e a batata, nota-se que algumas versões desse prato são oriundas da Idade Moderna, quando tais alimentos passaram a serem difundidos pela Europa.

Este ragu se trata de um alimento de fácil preparo e em alguns casos sendo um prato improvisado com as sobras, por conta disso, haver variações nos ingredientes utilizados que incluem peixes, crustáceos, moluscos, porco, acompanhados por vegetais, legumes, frutas e temperos. A seguir trouxemos uma versão dessa receita:

130 gramas de ameixas sem caroço,
750 gramas de camarões grandes limpos,
1 1/2 colher de sopa de manteiga,
½ colher de sopa de curry,
1 ½ xícara de chá de água, sal e pimenta do reino a gosto,
250 gramas de maçã,
1 colher de sopa de vinho branco (opcional).

Coloque as ameixas na água para amolecerem. Limpe os camarões e frite-os na manteiga com o curry e o vinho branco. Acrescente a água, o sal e a pimenta e deixe cozinhar até ficarem macios. Divida as maçãs em 8 partes e retire os caroços. Acrescente os camarões, juntamente com as ameixas e deixe cozinhar por 5 minutos. Acerte o sal e sirva com arroz ou batatas cozidas acompanhadas por uma boa cerveja lager.

Referências

DANTAS, Nísia Maria. Receitas de terra e mar. São Paulo: Editora SESI, 2018.
FLANDRIN, Jean-Louis e MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. Sâo Paulo: Estação Liberdade, 1998.
MONTANARI, Massimo. O mundo na cozinha. São Paulo: SENAC, 2009.

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By No machine-readable author provided. Lucarelli assumed (based on copyright claims). – No machine-readable source provided. Own work assumed (based on copyright claims)., Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1743708

Em inglês é chamada fish tea e em espanhol chama-se té de pescado, ambas as palavras significam “chá de peixe”. Apesar do nome estranho, trata-se de uma sopa feita de alguns tipos de peixes que recebem ingredientes típicos das Américas, apresentando uma mistura de receitas de origem indígena e africana.

Sopa de pescado (Jamaica)

Por Leandro Vilar Oliveira

Em inglês é chamada fish tea e em espanhol chama-se té de pescado, ambas as palavras significam “chá de peixe”. Apesar do nome estranho, trata-se de uma sopa feita de alguns tipos de peixes que recebem ingredientes típicos das Américas, apresentando uma mistura de receitas de origem indígena e africana.

Embora a sopa de pescado seja consumida em outros países caribenhos, ela é bastante popular na Jamaica, país inclusive que reivindica sua origem. Quanto a isso, não se sabe em que época essa sopa surgiu, já que era produzida pelos indígenas anteriormente ao início da colonização espanhola. Todavia, através do processo colonizador, ingredientes de outras localidades foram levados à Jamaica, sendo acrescentados a receita da sopa.

Assim, a sopa de pescado jamaicana é feita com inhame, mandioca, abobora (calabaza), banana verde e batatas. Esses tubérculos e fruta são picados e depois cozinhados para engrossar a sopa, a qual em seguida recebe mais ingredientes a depender da preferência como cenoura, cebolinha, tomilho, manteiga, leite de coco, e é claro, não poderia faltar o sal a gosto e a pimenta, já que a sopa de pescado é conhecida por ser apimentada em várias localidades da Jamaica. Por conta disso há quem a considere uma comida afrodisíaca e até boa para ajudar os homens e mulheres a terem filhos, quando esses possuem problemas de infertilidade.

Essa sopa é alimento habitual da Jamaica e outras nações caribenhas, sendo facilmente preparada com diferentes tipos de peixes e consumida regularmente como refeição principal ou complementar. Bares, quiosques, restaurantes também vendem essa sopa como aperitivo, algo parecido com o “caldinho de peixe” que se encontra em bares praianos pelo Brasil.

Referências

DEMERS, John. Food of Jamaica: Authentic Recipes from the Jewel of the Caribbean. Vermont: Tuttle Publishing, 1998.

Imagem

By Dave O from North Vancouver, CANADA – Fish tea/soup with reef fish and coconut milk etc. #savedmylife, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=59470718

Créditos

Exposição Virtual: SABORES DO MAR

Curadoria

Leandro Vilar
Diretor Geral
Museu Marítimo EXEA

Camila Rios
Diretora Técnica | Museóloga
Museu Marítimo EXEA

 

Diagramação

Ticiano Alves
Coordenador de Exposições / Designer
Museu Marítimo EXEA

Revisão da Exposição

Leandro Vilar
Diretor Geral
Museu Marítimo EXEA

Raphaella Belmont Alves
Diretora Executiva | Revisora ortográfica
Museu Marítimo EXEA

Camila Rios
Diretora Técnica | Museóloga
Museu Marítimo EXEA

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