Repatriação e troca diplomática durante a II Guerra Mundial: O perigoso “cruzeiro” do Gripsholm

Talvez, o papel da Marinha Mercante em tempos de guerra ainda não tenha tido seu devido reconhecimento. Mas é inegável que suas ações…

Talvez, o papel da Marinha Mercante em tempos de guerra ainda não tenha tido seu devido reconhecimento. Mas é inegável que suas ações contribuíram de forma direta com a vitória dos Aliados sobre o Eixo na II Guerra Mundial (1939-1945). A atividade mercante foi além do transporte de mercadorias: os navios mercantes também foram responsáveis por levar algo talvez muito mais valioso: pessoas.

E não eram quaisquer pessoas, mas profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, que com sua inteligência ou força laboral, contribuíram para destruir os sonhos megalomaníacos de Hitler e de Mussolini. Mas aqui, vamos destacar uma área em questão: a diplomacia. Mesmo enquanto as nações estavam em estado de beligerância umas com as outras, o trabalho dos corpos diplomáticos dos países era contínuo e estressante.

A burocracia, que naturalmente se faz presente nas relações conflituosas entre os países, permaneceu em voga durante todo o conflito. O corpo diplomático de um país, bem como a embaixada e os consulados, são “extensões” de seu país em um território distante, a cujos interesses do seu Estado de origem, eles representam. Portanto, o fato das relações entre os países serem boas ou não também dependem diretamente de como o seu corpo diplomático trabalha: se ele for eficiente, pode fazer surgir grandes acordos que favoreçam seu país e melhor: até mesmo evitar guerras entre as nações.

Infelizmente, isso nem sempre é possível (como foi no caso da II Guerra Mundial) em que a política por outros meios tomou o lugar da diplomacia. Uma vez em guerra, a tendência é que os corpos diplomáticos dos países sejam obrigados a retirar-se do território. E isso ocorreu com muita frequência nos anos da guerra, na medida em que as relações diplomáticas entre os países iam sendo rompidas. No caso do Brasil, ao romper relações diplomáticas com o Eixo (Alemanha e Itália), seus corpos diplomáticos iniciaram o processo de encerramento das atividades, uma tarefa nada fácil, e repleta de obstáculos burocráticos. Muitas embaixadas eram fechadas a força e sua documentação, confiscada. Caso como esse aconteceu com a representação diplomática brasileira na Europa, quando o Brasil rompeu relações em 1942.

Quando o fechamento da embaixada ocorria sem problemas, outro desafio burocrático e logístico vinha junto: o deslocamento do corpo diplomático de volta a seus países de origem. E é aí que começamos a citar como exemplo, o caso do Gripsholm. O deslocamento de um corpo diplomático possuía uma série de empecilhos, desde a própria mala diplomática repleta de documentos importantes, bem como a própria mudança das famílias que trabalhavam no corpo diplomático. O desafio logístico era tanto que aviões de transporte não seriam suficiente: era necessário levá-los pelo mar, devido a capacidade maior de carga e conforto.

O Gripsholm cumpriu este papel, mas antes que o fizesse, foi necessário uma jornada perigosa de semanas por mares revoltos e perigosos, repletos de potenciais inimigos. Construído em 1924 nos estaleiros Armstrong, Whitworth & Co, Newcastle, Inglaterra, e comissionado no ano seguinte, o Gripsholm foi construído para ser um navio de passageiros, um cruzeiro de luxo, o primeiro do mundo movido a motor de combustão. Tinha cerca de 18.000 toneladas e transportava mais de 1600 passageiros. Ele foi o primeiro navio de passageiros sueco a fazer transporte direto a partir do país nórdico em direção aos Estados Unidos.

Contudo, seus tempos dourados tiveram fim com o começo da II Guerra Mundial. A Suécia permaneceu neutra na guerra, no entanto, seus navios continuaram a navegar por todos os mares do mundo e o Gripsholm, no ano de 1942, encontrava-se no Atlântico.

Naquele momento, o navio sueco passou a servir sob a Cruz Vermelha Internacional, e foi designado como navio-hospital e de repatriamento. Sua tripulação e seu capitão também eram de origem sueca. Em dezembro de 1941, o Império do Japão atacou a base naval americana em Pearl Harbor no Havaí, fato que colocou os Estados Unidos na guerra.

Poucos meses depois, todo o continente americano se viu mergulhado na guerra, entre eles o Brasil. Porém, muitos membros do corpo diplomático foram pegos de surpresa. Tinha então início de seus processos de repatriamento. Entre os anos de 1942 e 1943, o Gripsholm foi um dos navios que mais realizou viagens de resgate/repatriamento de cidadãos.

Acontecia da seguinte maneira: o navio a serviço dos aliados zarpava do continente americano com membros dos conselhos diplomáticos japonês, italiano ou alemão (que estavam servindo em países das Américas do Norte, Central e do Sul), bem como outros cidadãos naturais destes países, e em um determinado porto neutro, (que era escolhido por ambos os lados), os cidadãos eram trocados por corpos diplomáticos e demais cidadãos de origem estadunidense, de brasileiros, britânicos, canadenses, etc.

Em 18 de junho de 1942, o Gripsholm zarpou dos Estados Unidos transportando aproximadamente 1.097 pessoas, a maior parte de oficiais japoneses, homens de negócios e suas famílias. O navio fez uma breve parada no Brasil (Rio de Janeiro), onde foram embarcados mais 403 passageiros. Após um mês de viagem, o Gripsholm chegou até o porto de Lourenço Marques (Maputo), capital de Moçambique, colônia portuguesa. Lá, naquele porto neutro, os passageiros foram trocados por 1.554 civis de países aliados, a maioria deles sendo de oficiais americanos e suas famílias que haviam chegado de outros dois navios: o Asamu Maru e o Conte Verde. Estes passageiros, por sua vez, haviam sido embarcados no Japão, em Hong Kong, Singapura e Indochina Francesa (Vietnã).

Na fotografia acima, vemos como era a configuração do Gripsholm: O nome do Navio, a origem (Sverige, ou seja, Suécia em idioma sueco) e a bandeira da Suécia, eram pintados grandes no costado do navio. Além disso, logo abaixo da linha do convés, estava escrito a palavra: “DIPLOMAT“, outra forma de identificar o navio, significando que ele estava a serviço da diplomacia. Esta foi apenas uma das viagens realizadas pelo navio sueco dentre várias com o objetivo de repatriação e troca diplomática.

É preciso lembrar que o Oceano Atlântico, no ano de 1942, era um dos lugares mais perigosos do planeta. Infestado de submarinos alemães e italianos operando desde a Groenlândia até a Cidade do Cabo, e que podiam a qualquer momento, atacar um navio que estivesse em serviço de repatriamento/troca diplomática como o Gripsholm caso fosse confundido com um outro cargueiro. Para evitar desastres como esse, antes de haver as trocas, informações sobre como os navios estavam configurados eram trocadas entre as representações diplomáticas e por sua vez, eram transmitidas às unidades militares estacionadas na rota para que não houvesse ataque. Outro fator de risco era o fato do navio navegar sozinho, sem comboio…e isso fazia dele um alvo muito atraente. Um comandante de submarino desavisado poderia cometer o equívoco de confundi-lo com outro navio e afundá-lo. Era preciso portanto, que ele fosse identificado devidamente.

Nas próximas postagens, nos dedicaremos a falar não apenas das outras viagens do Gripsholm, mas de outros navios civis que realizaram tamanhas tarefas perigosas no Atlântico, inclusive, sob a bandeira brasileira.

Fontes pesquisadas:

https://www.salship.se/

The Gripsholm Exchange and Repatriation Voyages

https://encyclopedia.densho.org/The_Gripsholm_WWII_Exchanges/

arquivonacional.gov.br

George Henrique
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