EXPOSIÇÃO VIRTUAL

Solheira: quem safa a rede, safa a vida?

Por ahcravo gorim – António José Cravo

Sobre a exposição

Através de um conjunto cuidadosamente selecionado de fotografias e versos de autoria de ahcravo gorim (António José Cravo), a exposição retrata a Solheira, uma arte de pesca tradicional portuguesa, utilizada principalmente em estuários e zonas costeiras. As fotografias foram feitas na Torreira, Distrito de Aveiro / Portugal entre os anos de 2009 e 2019.

Solheira o safar das redes, outra forma de dança

Por ahcravo gorim - António José Cravo

De três andamentos se faz a dança das redes na solheira: largar, alar e safar.

Rápido o largar, lento o alar e muito lento o safar.

Larga-se numa hora, ou menos, ala-se em muito mais de uma hora e pode-se levar dois dias a safar.

Safa-se o pescado e o primeiro lixo no alar, mas é depois de terminada a pesca que a tarefa pesada começa: é preciso limpar lixo, caranguejo … e reparar redes. Ajuda têm na família e, quantas vezes, nos amigos que já terminaram ou não têm arte a trabalhar.

Atracada a bateira, vai o pescador descansar.

A madrugada e a manhã foram gastas no largar e no alar.

Regressa depois de comer e começa a safar as redes.

Uma das formas de safar as redes é dentro da própria bateira, e a rede passa, por cima de uma vara, da ré para a proa enquanto se vai safando.

A dança que começou na ria para a ré, faz-se agora da ré para a proa.

Cipriano

estás aqui
mesmo que não estejas
em mais nenhum lugar
estás aqui

olhar o rosto de um amigo
é lembrar estórias
é estarmos vivos
num mundo que é só nosso

o da memória comum.

(Torreira; safar redes; 2012)

os chocos não conhecem
esta bateira

dizia o joão hoje à tarde

a ria anda assim
o berbigão e ameijoa
onde estão?

o choco não entra
ao norte do porto de abrigo
quantas redes?

até quando a ria?

(Torreira; 15 junho, 2016)

como se

como se dança
os corpos

como se música
os sons

como se agora
o antes

como se aqui
o longe

nada mais falso
que o óbvio

(Torreira; safar redes; 2013)

eis a mulher da ria

eis a mulher da ria
a mãe a camarada

seja hoje dela o dia

canto nela o serem
muitas as que
ombro com ombro
braço com braço
nas bateiras

são camaradas
do seu homem

(Torreira; 2009)

o que é cravo?

não escrevo o teu nome
falo de ti
como se da ria do mar
memória de um tempo

agora que o retornar
se aproxima
são mais fortes os gestos
os silêncios
as bateiras
as cabritas as redes
a ausência

imagino-te aqui
onde estás sempre
sem nunca teres estado
mas és tantos quantas
as imagens de ti

não escrevo o teu nome
porque não o podes ouvir
para me responderes
como era costume

o que é cravo?

(Torreira; Porto de Abrigo; 2013)

cigano dos afectos

regresso e a minha ausência
foi também a ausência de outros
definitiva

como está o teu pai
partiu em outubro

você já cá não vem desde quando
e são avcês doenças que

regresso e não são só abraços
sorrisos palavras boas

um dia quando não regressar
serei eu o ausente

sim
mas de uma comunidade onde
por não estar sempre presente
só se perguntará por mim
se perguntarem
depois
muito depois de eu ter partido

destino de cigano dos afectos

(Torreira; 2016)

conheço

conheço muitos
ladrões do presente
assassinos de futuros

mas
ainda não encontrei
ladrões de passados

talvez por isso
ainda tenha o meu

(Torreira; 2013)

o amor

o amor é
coisa de dois
ou doença de um

(Torreira; 2019)

pescadores d’aqui

pescador da ria
homem do mar

quando o certo é incerto
tem de o homem trocar
o mais pelo menos

então parte

(Torreira; 2019)

raízes

por dentro de todas as vozes
sobe a seiva salgada
que nos corre nas veias

saímos do mar para povoar
as terras
e regressar de novo ao mar

ao encontro das raízes

(Torreira; 2019)

resistir

resistem as palavras
onde o corpo
que resta que sobra
começa a não

resistem resistem

(Torreira; 2019)

eu sou

o meu tempo
é hoje
é ontem

o meu tempo
será amanhã
sem mim

eu sou no meu tempo

(Torreira; Porto de Abrigo)

Créditos

Exposição Virtual / Solheira: quem safa a rede, safa a vida?

Poemas e fotografias

António José Cravo
Fotógrafo / Portugal

Diagramação

Ticiano Alves
Coordenador de Exposições / Designer
Museu Marítimo EXEA

Revisão da Exposição

Leandro Vilar
Diretor Geral
Museu Marítimo EXEA

Raphaella Belmont Alves
Diretora Executiva | Revisora ortográfica
Museu Marítimo EXEA

Camila Rios
Diretora Técnica | Museóloga
Museu Marítimo EXEA

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