A prisão da Ilha Anchieta: a Alcatraz brasileira

Por mais de cinquenta anos um presídio funcionou na Ilha Anchieta, situada no litoral norte do estado de São Paulo. Originalmente chamado de Colônia Penal da Ilha dos Porcos, ela foi fundada em 1908 pelo decreto estadual 1.408 de 14 de fevereiro de 1907, com o intuito de criar um centro de reabilitação para infratores que cometiam pequenos delitos, além de agirem de forma moralmente inadequada, cometendo vadiagem, se embriagando, arranjando brigas e questões do tipo.

Por mais de cinquenta anos um presídio funcionou na Ilha Anchieta, situada no litoral norte do estado de São Paulo. Originalmente chamado de Colônia Penal da Ilha dos Porcos, ela foi fundada em 1908 pelo decreto estadual 1.408 de 14 de fevereiro de 1907, com o intuito de criar um centro de reabilitação para infratores que cometiam pequenos delitos, além de agirem de forma moralmente inadequada, cometendo vadiagem, se embriagando, arranjando brigas e questões do tipo.

Todavia, a existência dessa colônia penal acabou sendo irregular, já que depois de sete anos de atividades, o governo decidiu fechá-la e transferi-la para Taubaté em 1914. Em seu novo endereço a colônia penal passou os próximos 14 anos, quando devido a efervescência política na década de 1920, decidiu-se retomar a ilha do Porcos o presídio, renomeado para Colônia Correcional do Estado de São Paulo, algo efetivado em 1928. Com esse retorno, o presídio não foi mais transferido de endereço.

Com o advento do Golpe de 1930 que elegeu Getúlio Vargas presidente interino, iniciando a Era Vargas (1930-1945), teve início uma corrida de retaliação aos opositores políticos. O novo governo investido de forma ilegítima, mas que defendia sua legalidade, começou a cassar seus opositores, e a Colônia Correcional se tornou o destino deles. O decreto 5.080 de 26 de setembro de 1931 instituiu o Presídio Político da Ilha dos Porcos, mais tarde renomeado Presídio da Ilha Anchieta devido a mudança de nome da ilha.

Dessa forma, ao longo das décadas de 1930 a 1940 a prisão da Ilha Anchieta passou a receber presos políticos, sendo eles políticos cassados, manifestantes, membros de organizações, sindicalistas e todos aqueles homens considerados uma ameaça ao regime varguista. Mas além dos presos políticos, o presídio recebia homens oriundos dos mais diversos crimes, desde assassinos e estupradores, a agiotas, batedores de carteira e mendigos. Estrangeiros como búlgaros, romenos, japoneses, entre outras nacionalidades, também foram presos ali por motivos diversos.

Em seu auge o presídio abrigou mais de 400 detentos, possuindo 22 guardas e 49 militares do Destacamento 314 do 5a Batalhão de Caçadores de Taubaté. Os funcionários do presídio viviam numa vila militar situada na ilha, a qual possuía uma escola, hospital, olaria e uma igreja.

No ano de 1952 a realidade daquela prisão insular mudou completamente. Na manhã do dia 20 de julho ocorreu a maior rebelião que o presídio havia vivenciado. O plano de fuga foi arquitetado ao longo de meses sendo creditado ao detento Álvaro da Conceição Carvalho Farto, vulgo o Portuga, sua autoria, embora que João Pereira Lima, o Pernambucano, tenha sido creditado como responsável por liderar a ação. No caso, em 20 de julho, pelo meio-dia ocorreria a chegada do navio de mantimentos, então 112 detentos que na ocasião colhiam lenha e estavam em outras atividades, iniciaram a rebelião.

O plano apesar de ousado, foi eficaz até certo ponto. Os detentos invadiram o arsenal, tomando o armamento, enquanto outros rendiam funcionários e soltavam os demais presidiários. Em meio à confusão teve início um conflito, em que os guardas e militares abriram fogo contra os fugitivos. O navio Ubatubinha vendo a confusão instaurada, não atracou, o que forçou os presos a irem atrás de barcos e canoas. A maior parte dos 480 detentos não conseguiu escapar.

No final daquele dia a rebelião foi contida, mas o saldo de mortes foi elevado. 108 detentos, 8 soldados e 2 funcionários pereceram, o maior número de mortos numa rebelião penitenciária na história brasileira. No entanto, mais de cem presos conseguiram escapar, embora alguns acabaram morrendo na travessia para o continente, apesar desse distar 600 metros da ilha, pois os barcos superlotados começaram afundar, sendo que alguns dos presos foram atirados na água, as quais possuíam tubarões.

Nas semanas seguintes a Secretária de Segurança de São Paulo e do Rio de Janeiro iniciaram uma grande operação de busca dos fugitivos, levando as polícias dos dois estados cooperarem; além disso, membros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foram mobilizados também. A maior parte dos presos ficou refugiada na floresta da Serra do Mar no próprio estado de São Paulo, embora alguns foram capturados em Paraty, no Rio de Janeiro. Sendo capturados um total de 129 deles, embora 6 conseguiram escapar definitivamente.

A Rebelião de 1952 da Ilha Anchieta foi a maior da história do Brasil na época, repercutindo em vários jornais. E isso pesou contra a manutenção daquele campo penal considerado obsoleto na época e agravado pelo incêndio causado durante a rebelião, fato esse que em 1955 foi decretado seu fechamento. Os detentos foram transferidos para a Casa de Custódia de Taubaté e outros presídios.

Com a desativação do presídio, a ilha foi dada à administração do Exército que a usou como colônia de férias para seus oficiais e atividades militares. Somente em 1977 o governo do estado de São Paulo tornou a ilha em parque estadual, condição que mantém até hoje, sendo uma atração turística pela sua história e praias.

Os pavilhões do presídio e outras dependências dele e da vila militar, hoje se encontram em ruínas, embora existam visitações guiadas no local, além de um pequeno museu. A história da rebelião e da prisão em si foi relatada por ex-detentos e ex-funcionários, além de pessoas que viveram na vila. Devido a sua importância, essa prisão foi comparada a Alcatraz, famoso presídio insular na baía de San Francisco, nos Estados Unidos.

Referências:

AMARAL, Ana Luiza Castro do. O levante que parou uma ilha: memória do Instituto Correcional da Ilha Anchieta e ações dos Filhos da Ilha. Dissertação em Memória Social, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2017.

Leandro Vilar
Leandro Vilar

Sou historiador, professor, escritor, poeta e blogueiro. Membro do Museu Virtual Marítimo EXEA, membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE).

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