Neste mês da Consciência Negra, hoje trago uma postagem sobre uma revolta associada com o racismo. Ocorrida ao longo de quatro dias entre 22 e 26 de novembro de 1910, liderada por marinheiros negros e pardos do navio Minas Geraes, na época, ancorado no Rio de Janeiro.
Um dos fatores iniciais para a revolta foi a indignação dos marinheiros negros e pardos que eram vítimas de castigos físicos e maus-tratos. Ainda naquele tempo era comum tais oficiais serem punidos por erros diversos, recebendo chibatadas. Porém, os marinheiros brancos costumavam não receber tal punição, sendo essa mais reservadas aos negros e pardos, claramente um ato racista, ainda mais se pensarmos que a escravidão foi abolida em 1888, ou seja, dezoito anos antes. Porém, antigas práticas ainda eram mantidas. Além os castigos físicos, eles possuíam uma má alimentação, viviam sobrecarregados de afazeres, seu soldo era mais baixo do que dos marinheiros brancos etc.
Cansados desses maus-tratos e atos de violência, os marinheiros do navio Minas Geraes decidiram realizar uma revolta para chamar atenção do governo e da Marinha. Assim, no dia 22 de novembro liderados por João Cândido Felisberto (1880-1969), os marinheiros realizaram um motim no navio militar Minas Geraes, capturando-o. A notícia foi transmitida para outros navios militares como o São Paulo e o Bahia. Posteriormente, outros navios como o Deodoro, o República, o Benjamin Constant, o Timbira e o Tamoio também aderiram a revolta.
Na noite do dia 22 de novembro, oito navios tinham aderido a revolta que contou com motins, os quais resultaram em brigas que deixaram mortos e feridos. Os oficiais que decidiram se render, em alguns casos foram liberados dos navios amotinados, outros foram mantidos como reféns. Na madrugada do dia 23, os navios amotinados zarparam até a Ilha do Viana para se abastecer, precavendo-se de uma possível contraofensiva da Marinha. Anteriormente um telegrama foi enviado ao gabinete presidencial e do ministro da Marinha propondo a abertura das negociações, exigindo-se o fim da “escravidão na marinha”.
No final do telegrama seguiu também uma ameaça, pois os revoltosos alegavam que se fosse necessário iriam revidar qualquer ataque. E isso foi um risco real, pois eles estavam de posse de alguns navios de guerra, que poderiam facilmente disparar contra a capital do país. De fato, isso ocorreu. Para mostrar que não foi um blefe, alguns dos navios dispararam tiros para o ar, mas outros atiraram contra as fortificações e alguns prédios. Após os ataques naquela manhã, pela tarde as negociações já tinham começado, mas não chegaram a nenhum acordo. O governo através da figura do deputado José Carlos de Carvalho, propôs oferecer a anistia aos amotinados e acabar com os castigos físicos, mas outras exigências não tinham sido cumpridas.
Naquela noite quatro navios de guerra: Minas Geraes, São Paulo, Bahia e Deodoro se moveram para fora da baía de Guanabara para evitar uma possível emboscada noturna. Na manhã do dia 24 eles retornaram, por aquele dia, os jornais noticiavam o retorno dos amotinados, e apontavam João Cândido como líder daquela revolta, inclusive referido como “almirante”. De qualquer forma, ao longo do dia 24 a Câmara deliberou um projeto de lei para reformular parte do código da Marinha para acatar as exigências dos rebeldes. O senador Rui Barbosa, solidário a causa dos marinheiros, apoiou uma via diplomática ao invés de tentar atacar os navios amotinados.
No dia 25 de novembro o projeto de lei e de anistia foi voltado, havendo oposição quanto a isso, pois alguns senadores eram a favor de iniciar um confronto para tomar os navios amotinados. Entretanto, o Senado optou pela via diplomática e o projeto de lei foi aprovado naquele dia, porém, os rebeldes ainda solicitaram alguns ajustes e finalmente o acordo foi concluído em 26 de novembro, quando a revolta chegou ao fim.
Os quatro navios de guerra foram recuperados e desarmados para evitar nova revolta. Os mais de mil marinheiros envolvidos na revolta foram anistiados, porém, em entre 9 e 10 de dezembro ocorreu uma revolta no quartel da Ilha das Cobras, mesmo não tendo ligação com a Revolta da Chibata, ainda assim, alguns marinheiros que participaram dessa aderiram a nova revolta. O conflito foi reprimido pela Marinha e o Exército, resultando em alguns mortos, feridos e prisioneiros. Dessa vez não houve anistia, e vários marinheiros e outros oficiais que aderiram a revolta foram expulsos da Marinha.
João Cândido que não aderiu a revolta na Ilha das Cobras, ainda assim, foi acusado de ter participado dela e foi preso a outros participantes em 13 de dezembro. Ele e mais outros prisioneiros foram deixados em situações de maus-tratos na cadeia na Ilha das Cobras, inclusive alguns deles acabaram morrendo de asfixia na cela de isolamento. João Cândido conseguiu sobreviver, sendo transferido para o Hospital dos Inválidos em 1911, e após alguns meses retornou a prisão na Ilha das Cobras, sendo solto em 1912 ao lado de outros marinheiros, os quais todos foram inocentados de terem participado da revolta de dezembro de 1910.
Apesar do sucesso da Revolta da Chibata as medidas solicitadas não foram aplicadas de imediato. Os castigos físicos até foram abolidos, mas as outras reivindicações não foram atendidas, além disso, o serviço na Marinha brasileira seguiu precário, opressivo e mal remunerado.
Referências
MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986.
MORGAN, Zachary R. The Revolt of the Lash, 1910. Portland, Oregon: Frank Cass Publishers, 2003.