Corsários platinos no litoral brasileiro durante a Guerra da Cisplatina

A Fragata “Niterói”, da Marinha Imperial Brasileira. Esta embarcação deu combate aos corsários vindos do rio da Prata, além de escoltar comboios. Fonte: DPHDM.

No final de 1825, o Brasil começava a dar os seus primeiros passos enquanto uma nação recém-independente. Contudo, não fez isso sem dificuldades. O país surgiu sob circunstâncias nada favoráveis: em primeiro lugar, teve que fazer guerra para expulsar os portugueses definitivamente de seu território, entre 1822 e 1823. Já em 1824, teve que conter a revolta da Confederação do Equador, que atingiu as províncias do então “Norte” do Império (Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará).

Suprimida a revolta em 1824, tudo parecia se encaminhar bem. Eis que em 1825, surgiu um novo centro de tensões: a região do Prata. A influência de Buenos Aires futura capital argentina, sobre a província da Cisplatina (atual Uruguai), era inaceitável para o recém-fundado império do Brasil. Os platinos desejavam restabelecer os limites do antigo Vice-Reino do Rio da Prata, formando um único país, que incluiria os atuais territórios da Argentina e do Uruguai juntos. Tal atitude era inaceitável para D. Pedro I, que imediatamente, tratou de tentar impedir. Teve início então, o conflito que duraria três anos. Em 10 de dezembro de 1825, o Império do Brasil declarou guerra.

Decreto Imperial de 19 de dezembro de 1825, autorizando as hostilidades contra as Províncias Unidas do Prata. Fonte: Arquivo Nacional.

Apesar das batalhas travadas em terra firme, esta guerra também teve o Atlântico como cenário de guerra. O Brasil, mesmo com imensas dificuldades logísticas e financeiras, possuía uma Força Naval respeitável, composta por diversos navios de guerra. A estratégia do Bloqueio Naval imposto pelo Brasil à foz do rio da Prata, levou gradualmente ao desabastecimento das forças platinas. Tal situação foi compensada com a ineficácia do Exército Imperial brasileiro em terra, que não conseguiu impor derrotas às forças de Buenos Aires e os rebeldes cisplatinos. Mesmo com o bloqueio naval imposto, diversas embarcações de guerra conseguiram atravessá-lo.

Como não podiam enfrentar a Marinha Imperial Brasileira em um combate frente a frente, os platinos passaram a adotar a estratégia de Corso: abordando e apreendendo embarcações mercantes inimigas indefesas, tomando-lhe sua carga, fazendo prisioneiros. São diversos os relatos de jornais brasileiros na época que falam sobre a presença destes corsários em águas brasileiras. Importante lembrarmos que: o Corsário, diferentemente do Pirata, está sob proteção de alguma nação e arvora sua bandeira, lutando em seu nome. O saque, neste caso, tornava-se legal para o país pelo qual o Corsário estivesse lutando. Na prática, ambos usavam a mesma tática.

A foz do Rio da Prata, na década de 1840. Esta região foi bloqueada pela Marinha Imperial Brasileira, durante a guerra da Cisplatina. Restou aos governantes de Buenos Aires, romper o bloqueio e adotar a estratégia de Corso. Fonte: Arquivo Nacional – RJ.

Para saber mais sobre os Corsários, acesse o link a seguir: https://museuexea.com.br/os-corsarios/

No dia 15 de março de 1827, um desses corsários encontrou-se na altura de Cabo Frio, litoral do Rio de Janeiro, com a fragata Izabel (Navio de guerra da Marinha Imperial Brasileira). O relato feito por Theodoro de Beaurepaire, comandante da embarcação, relatou que para tentar evadir-se do navio de guerra brasileiro, o mesmo arvorou uma bandeira da Inglaterra. A tática não teve efeito, pois o navio brasileiro continuou a perseguição. Mais adiante, seguido de um sinal de tiro de canhão, a embarcação arvorou a bandeira de Buenos Aires: era um corsário platino. A perseguição seguiu noite adentro, com o navio brasileiro aproximando-se cada vez mais do corsário, até enfim, ficar ao alcance dos canhões. O comandante do corsário, vendo que não havia alternativa a não ser lutar ou morrer, rendeu-se. Foram capturados no mar, o comandante,14 oficiais e 72 marinheiros. Tratava-se de uma outra fragata, um grande navio de guerra.

No dia 12 de junho de 1827, foi noticiada a recaptura de uma lancha nacional de nome Espirito Santo, pela fragata Nacional Imperial Paraguassú. A lancha havia sido capturada por Corsários de Buenos Aires, e a bordo, foram aprisionados 4 marinheiros, além de outros 11 de um Corsário chamado “Margarida“. Ele havia tentado atacar anteriormente a costa de Santa Catarina, sem sucesso. A embarcação explodiu, depois de seus tripulantes por acidente, terem atirado próximos da pólvora colocada no convés da embarcação.

No auge dos confrontos no Atlântico Sul, diversos são os relatos de incursões de corsários platinos na costa brasileira. Em 1828, o Bergantim brasileiro Téjo, procedente de Cabinda na costa africana, foi apresado por um corsário de nome “Gaivota“. Sendo um navio negreiro, levava consigo cerca de 326 escravizados. Todos foram capturados, além de outros gêneros. As ações dos corsários apoiados por Buenos Aires e pelos rebeldes cisplatinos levou a marinha Imperial a adotar a estratégia de Comboios.

Na estratégia de Comboios, navios navegam juntos para unir esforços contra incursões inimigas. Imagem gerada pela Meta IA.

Na estratégia de Comboios, navios navegam juntos para unir esforços contra incursões inimigas. Imagem gerada pela Meta IA.

Em um comboio, os navios mercantes são reunidos em um único bloco, e escoltados por navios de guerra, dificultam a ação do inimigo. No dia 13 de fevereiro de 1828, chegou ao Rio de Janeiro um comboio, escoltado pela corveta de guerra da Marinha Imperial brasileira, “Maria Izabel“. O dito comboio foi formado por embarcações saída dos portos de Santos (São Paulo), Ilha Grande e Parati (Rio de Janeiro). Baseando-se na documentação analisada, e observando onde eram relatados encontros e incursões destes navios, podemos presumir que eles operavam principalmente entre o Cabo Frio, litoral Norte do Rio de Janeiro, passando pelo litoral de São Paulo e na região costeira das províncias do Sul do Império.

Mapa construído baseando-se na documentação pesquisada. A região entre Cabo Frio no litoral norte da província do Rio de Janeiro, passado pelo litoral paulista e a costa da região Sul, eram as áreas favoritas dos corsários platinos. Fonte: Google Maps.

A hipótese que levanto da grande incidência de incursões de corsários de Buenos Aires nesta região tem fundamento a partir da análise das rotas de navegação mercantis. O porto do Rio de Janeiro era sem dúvida, um dos mais movimentados do mundo em seu tempo, para onde afluíam embarcações de todas as partes do mundo em busca de bons lucros. Logo, interferir nesta rota comercial seria extremamente prejudicial ao Rio de Janeiro e extremamente lucrativo para Buenos Aires, um risco que valia a pena correr.

Como observamos anteriormente, as fontes relatam saques de sumacas e outras embarcações de cabotagem no litoral brasileiro, bem como de navios negreiros oriundos da costa africana. Por mais que a Marinha Imperial Brasileira medisse esforços, era difícil patrulhar um oceano tão vasto, ainda mais no início do século 19.

A Guerra da Cisplatina terminou em agosto de 1828, com um acordo de paz entre O Império do Brasil e As províncias unidas do rio da Prata. A Cisplatina deixou de ser uma província brasileira, e foi criada assim, a República Oriental do Uruguai.

REFERÊNCIAS

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional – RJ

Jornais

DIÁRIO DE PERNAMBUCO

O DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO

O DIÁRIO MERCANTIL (RJ).

Arquivo Nacional – RJ.

Cópia da carta topográfica do estado do Uruguai. Fundo: Ministério da Guerra.

Impresso com decreto imperial, autorizando atos de hostilidades contra o governo das províncias unidas do rio da prata, em represália a outros, praticados contra o brasil. Fundo: Diversos SDH Caxias.

George Henrique
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