EXPOSIÇÃO VIRTUAL
BRASIL ESPANHOL
Por Historiadora Dra. Sylvia Brito
Por Historiadora Dra. Sylvia Brito
Entre 1580 e 1640, o Brasil esteve sob domínio espanhol durante o período conhecido como União Ibérica. Para compreender essa situação, é necessário retroceder alguns anos antes. A Batalha de Alcácer-Quibir figura como um ponto de partida para contextualizar essa situação.
A Batalha de Alcácer-Quibir foi travada em 4 de agosto de 1578, no norte de Marrocos, envolvendo as forças do Império Português, lideradas pelo rei D. Sebastião, contra o Sultanato Saadiano de Marrocos, sob o comando do sultão Abu Abdallah Mohammed II e seus aliados. D. Sebastião, que tinha ambições espirituais e colonialistas, liderou uma expedição militar com o objetivo de lutar pela supremacia na região e expandir o cristianismo na África.
Os desdobramentos da Batalha de Alcácer-Quibir desencadearam uma série de mudanças políticas e culturais que tiveram um impacto no rumo de Portugal. O exército português sofreu uma catastrófica derrota, resultando em quase 9 mil soldados mortos e cerca de 16 mil prisioneiros, incluindo muitos membros da nobreza portuguesa. A morte do próprio D. Sebastião na batalha favoreceu a uma crise sucessória em Portugal que eventualmente levou à união dinástica, na qual o trono português passou para a Casa de Habsburgo da Espanha sob o reinado de Felipe II, em 1580. Para Marrocos, a vitória de Alcácer-Quibir assegurou o poder do Sultanato Saadiano por mais um século permitindo-lhe resistir à expansão otomana.
A única representação conhecida da Batalha de Alcácer-Quibir foi publicada na obra de Miguel Leitão de Andrade, “Miscelânea” (1629). A imagem retrata o momento crítico da batalha em que as forças portuguesas, à esquerda, enfrentaram um cerco iminente das forças marroquinas.
In: Miguel Leitão de Andrada, Miscellanea, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012, p. 126-127.
Após uma complicada disputa pela sucessão dinástica, o rei espanhol Felipe II ascendeu ao trono de Portugal. Embora tenha alegado direitos sucessórios, sua chegada ao trono português foi facilitada principalmente por meio de uma combinação de diplomacia persuasiva, suborno e, por fim, o uso de seu poderoso exército. A célebre frase atribuída a Felipe, “yo lo heredé, yo lo compré, yo lo conquisté”, resume o bom sucesso da chamada jornada de Portugal. Mas a verdade é que a completude do continente americano já estava na mira de Felipe II há um bom tempo.
Finalmente, em 1580, Felipe II obteve a desejada unificação peninsular. Neste momento, o império espanhol se tornava o maior do mundo. O monarca recuperou o conceito de monarchia universalis, utilizado anteriormente pela mesma Casa de Áustria em relação ao Sacro Império, para designar o seu novo império onde o sol nunca se punha. Felipe II, o soberano universal, reinava nos quatro continentes: “seus navios eram os senhores do Atlântico; singravam o oceano Índico; atravessavam o Pacífico.” (Gruzinski, p. 40). Com a morte de Felipe II, seus sucessores Felipe III e Felipe IV dominaram esse conglomerado gigantesco até 1640.
“Non sufficit orbis” (“o orbe não é suficiente” ou “o mundo não é suficiente”) é uma expressão latina que denota a ambição estratégica e política da dinastia filipina.
Non sufficit orbis. Empresas de los reyes de Castilla y de León de Francisco Gómez de la Reguera. Século XVII. Biblioteca Nacional de España.
A união das Coroas ibéricas trouxe novos desafios para o rei Felipe II em relação ao Atlântico. Com a união monárquica, a segurança da região passou a requerer também a proteção das costas da América portuguesa que estavam sendo objeto de constantes investidas de contrabandistas e corsários franceses. O combate a incursões corsárias no litoral do Brasil era de especial importância para a Monarquia Hispânica uma vez que estabeleceria uma efetiva rede de proteção para as rotas marítimas que conectavam o Atlântico ao Rio da Prata e ao Peru.
A Armada do Estreito de Magalhães, uma expedição que começou a ser preparada no início de 1581, faz parte desse contexto. Apesar da denominação referente ao Estreito, a Armada passou a maior parte do tempo em território brasileiro onde erigiu fortificações em São Paulo e na Paraíba. Além de construir fortes e ocupar as terras do Estreito de Magalhães, o caráter militar da jornada foi predominante. A expedição comandada pelo capitão-general Diego Flores de Valdés, um dos mais destacados e experientes navegadores da armada da Espanha, deveria priorizar a perseguição e punição dos piratas que cruzavam a costa brasileira, em especial, a Paraíba, ocupada há muitos anos pelos franceses contrabandistas do famoso pau-brasil da região. A conquista das terras da Paraíba, em 1584, foi a primeira campanha filipina de confirmação de posse que ocorreu no Atlântico e formou parte do conjunto teatral bélico de Felipe II para as Américas, nas difíceis últimas décadas do século 16.
Um dos eventos mais emblemáticos do chamado Brasil espanhol foi a campanha militar conhecida como a Jornada do Brasil contra os holandeses que ocupavam a cidade de Salvador desde maio de 1624. A Capitania da Bahia já era um ponto estratégico fundamental para a geopolítica da época em finais do século 16 e no ano de 1624, com o fim da chamada Trégua dos Doze Anos (acordo firmado entre a Espanha e as Províncias Unidas dos Países Baixos), a Monarquia Hispânica testemunhou um forte ataque à cidade de Salvador, então sede do Governo Geral do Estado do Brasil, pelas forças militares holandesas.
A repercussão na Europa foi quase que imediata, pois a invasão colocava em ameaça o comércio atlântico e suas importantes conexões com outros portos. A reação de Felipe IV (Felipe III de Portugal) não demorou em acontecer. Como resposta, o monarca enviou a maior frota que cruzou o Atlântico até então, composta por mais de 60 navios e 12.000 homens. Foi em maio de 1625 que as forças luso-espanholas, comandadas por Fadrique Álvarez de Toledo, conquistaram finalmente a vitória. Essa conquista grandiosa inspirou a criação de mais de 200 relatos e relaciones que narraram a brilhante operação militar. A vitória frente aos holandeses foi um acontecimento importante também para a história espanhola. A recuperação de Salvador foi acompanhada de outras vitórias. Em 1625, deu-se, ainda, a rendição de Breda e a exitosa defesa de Cádiz contra os ingleses. O ano de 1625 foi denominado à época de Annus Mirabilis (uma expressão latina cujo significado é “ano maravilhoso”). Nesse período, a Espanha alcançou vitórias militares significativas, as quais serviram como um artifício para mascarar a precária condição financeira do Império.
Esta representação visualiza os encontros entre os espanhóis e outras culturas, especialmente durante o período da União Ibérica, quando Portugal estava sob domínio espanhol.
Anônimo, 1540 – Domínio Público, Wikicommons.
// Pesquisa e Curadoria
Sylvia Brandão Ramalho de Brito
Doutora em História da América pela Universidade de Salamanca
Pesquisadora Associada do Museu Marítimo EXEA
// Diagramação
Ticiano Alves
Coordenador de Exposições
Editor Chefe da Editora EXEA
Museu Marítimo EXEA
// Revisão da Exposição
Leandro Vilar
Coordenador de Exposições
Museu Marítimo EXEA
Camila Rios
Diretora Técnica
Museu Marítimo EXEA
Rebeca Garcia
Museóloga
Museu Marítimo EXEA
Raphaella Belmont Alves
Diretora Executiva | Revisora ortográfica
Museu Marítimo EXEA
// Fontes
BRITO, Sylvia Brandão Ramalho de. A expedição do Estreito de Magalhães (1581-1584) e a atuação dos Habsburgo no Atlântico sul nas últimas décadas do século XVI. Atlanticus: Revista do Museu EXEA – Vol 1 (2022).
BRITO, Sylvia Brandão Ramalho de. La Relación de Pedro de Rada: el manuscrito olvidado de la Armada del Estrecho de Magallanes. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2023.
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