EXPOSIÇÃO VIRTUAL
Paraty
Por Leandro Vilar
Por Leandro Vilar
Paraty é uma cidade costeira situada no sul do estado do Rio de Janeiro, sua história remonta o final do século XVI. Por trezentos anos a baía de Paraty foi local bastante movimentado, pois aqueles portos eram utilizados para o comércio de mercadorias bastante valiosas na época colonial e imperial, a ponto de fomentar o contrabando e a pirataria. Se hoje a baía de Paraty é um belo local turístico, no passado, suas águas envolveram próspero negócios lícitos e ilegais.
Mas além de ter tido um porto movimentado, a própria cidade que hoje conserva várias características arquitetônicas dos séculos XVIII e XIX, foi projetada urbanisticamente para se entregar ao mar, condição essa que Paraty é uma das poucas cidades antigas do Brasil que foram projetadas para que suas ruas e praças fossem propositalmente alagadas, mas como será visto nessa exposição isso teve um motivo curioso.
O nome Paraty é de origem tupi, que segundo o tupinólogo Eduardo Navarro, advém de parat(i)+y, que significaria “rio dos paratis”, sendo parati o nome para uma espécie de peixe. A região antes da colonização era habitada por indígenas do povo Tamoio, posteriormente aquelas terras passaram a serem ocupadas pelos Goianas e Tupinambás. Quando a colonização teve início, aquele território pertencia a então Capitania de São Vicente.
Vila de Paraty, Jean-Baptiste Debret (1827). Fonte: https://patrimoniodotempo.blogspot.com/2012/03/seculo-16-colonizacao-area-de-paraty.html . Acesso em: 26 de Fev. 2023.
Paraty não possuía um povoado colonial, mas suas terras contavam com aldeamentos indígenas dos Goianás e Tupinambás. Foi no final do século XVI que o povoado pesqueiro de Paraty começou a surgir. O governador da Capitania do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá (c. 1540-1631), passou por Paraty em 1597, relatando se tratar de um povoado pequeno e pobre.
No século XVII, o Povoado de Paraty, acabou passando para a Capitania do Rio de Janeiro, sendo subordinado à jurisdição da Vila de Angra dos Reis. Essa dependência administrativa permaneceu até 1660, quando Paraty foi elevada à categoria de vila, ganhando sua independência administrativa. Foi a partir desse período que Paraty começou a se desenvolver propriamente.
Planta da cidade de Paraty em 1863. Apesar de séculos passados desde sua fundação, ela ainda conservava traços da época que foi uma vila. Fonte: https://journals.openedition.org/viatourism/docannexe/image/670/img-5.jpg. Acesso em: 26 de Fev. 2023.
O porto de Paraty, o qual ficava mais ao sul na Capitania do Rio de Janeiro, passou a ser um local geograficamente importante, mas diferente do que tradicionalmente se contava ao dizer que era por ali que os engenhos fluminenses e vicentinos escoavam sua produção açucareira, na verdade, o porto paratiense ganhou destaque pelo tráfico negreiro.
Planta da cidade de Paraty em 1863. Apesar de séculos passados desde sua fundação, ela ainda conservava traços da época que foi uma vila. Fonte: https://journals.openedition.org/viatourism/docannexe/image/670/img-5.jpg. Acesso em: 26 de Fev. 2023.
Retrato do governador Salvador Correia de Sá e Benevides. Fonte: FLOR, Susana Varela (2016). Portraits by Feliciano de Almeida (1635-1694) in Cosimo III de’ Medici’s Gallery. Journal of the International Association of Research Institutes in the History of Art – RIHA Journal 0144 | 1 December 2016.
Ao longo do restante dos séculos XVII e XVIII, o porto de Paraty era ponto de entrada importante para o tráfico negreiro, principalmente por um motivo ilícito: o contrabando de escravos. Quando Paraty foi emancipada em 1660 por autorização do governador Salvador Correia de Sá e Benevides (1594-1668), ele fez isso por conta do seu envolvimento com o contrabando de escravos.
Retrato do governador Salvador Correia de Sá e Benevides. Fonte: FLOR, Susana Varela (2016). Portraits by Feliciano de Almeida (1635-1694) in Cosimo III de’ Medici’s Gallery. Journal of the International Association of Research Institutes in the History of Art – RIHA Journal 0144 | 1 December 2016.
Salvador Correia de Sá e Benevides anteriormente havia participado na operação militar para expulsar os holandeses de Angola e São Tomé e Príncipe, algo ocorrido em 1647. Em retribuição o rei lhe concedeu o cargo de governador de Angola (1648-1651), que o levou a se interessar pelo comércio de escravos, negócio esse que manteve pelos anos seguintes. E para burlar a fiscalização alfandegária, Sá e Benevides passou a usar o porto de Paraty para contrabandear escravos angolanos. Dessa forma, a Vila de Paraty foi crescendo com base no ignóbil tráfico negreiro.
No final do século XVII minas de ouro foram encontradas nos sertões da Capitania de São Vicente e da Capitania do Rio de Janeiro, mais tarde aquela região foi renomeada como Minas Gerais. Dessa forma houve início a corrida brasileira do ouro. A necessidade de escravos cresceu consideravelmente, e Paraty ainda era um porto movimentado para isso. Mas além do comércio de escravos, o porto paratiense passou também a escoar ouro.
Mapa da Estrada Real com seus quatro caminhos. A Rota de Paraty para Ouro Preto é chamada de Caminho Velho, por ter sido a primeira criada. Fonte: https://files.institutoestradareal.com.br/images/public/mapa_estrada_real.jpg. Acesso: 27 de Fev. 2023.
Paraty tornou-se um porto bastante requisitado, pois estava próximo das rotas terrestres que levavam a Minas Gerais, por esses caminhos seguiam escravos, garimpeiros livres, mercadorias, suprimentos e equipamentos. De volta retornava pepitas de ouro e até outros produtos obtidos nos sertões. Uma dessas rotas era chamada de Estrada Real, Caminho do Ouro ou Caminho Velho, que ia de Paraty à Vila Rica (atual Ouro Preto). Mais tarde outra rota foi aberta de Ouro Preto para o Rio de Janeiro, o Caminho Novo.
O negócio com o ouro foi tão importante que dom Álvaro de Silveira e Albuquerque, então governador da Capitania de São Paulo e Minas Gerais, ordenou em 9 de maio de 1703, que os portos de Paraty e Santos fossem designados como localidades oficiais para a fundição e carregamento de ouro, para serem embarcados e enviados à Portugal. Por conta disso, foram criadas fundições nessas vilas, para transformar o ouro em barras.
Retrato de René Duguay Trouin. Fonte: Antoine Graincourt. Portrait of René Duguay-Trouin. 18th century. Public domain.
Esse dourado negócio acabou atraindo a atenção de piratas franceses e ingleses, os quais no passado já haviam passado por Paraty por conta do comércio de escravos e menor número o de açúcar e cachaça. Condição essa que em 1708, o pirata inglês Woodes Rogers visitou Angra dos Reis e soube do comércio de ouro em Paraty, o que o deixou bastante interessado.
Retrato de René Duguay Trouin. Fonte: Antoine Graincourt. Portrait of René Duguay-Trouin. 18th century. Public domain.
Cruzamento da rua Santa Rita e Travessa Santa Rita (à esquerda), atrás da Igreja de Santa Rita de Cássia, no centro histórico, o qual conserva o calçamento e casas do século XIX. Acervo pessoal de Leandro Vilar, 2016.
Rogers para evitar chamar atenção, optou por uma abordagem mais sutil, ao invés de atacar a vila para roubar os carregamentos de barras de ouro, ele preferiu negociar ilegalmente pelo extravio de algumas daquelas barras. Isso acabou dando certo, pois data de anos posteriores como 1711 e 1714, a presença de piratas franceses como René Duguay Trouin e La Gentil de La Barbinais. Ambos não atacaram Paraty, mas atuavam no contrabando de escravos e de ouro.
Cruzamento da rua Santa Rita e Travessa Santa Rita (à esquerda), atrás da Igreja de Santa Rita de Cássia, no centro histórico, o qual conserva o calçamento e casas do século XIX. Acervo pessoal de Leandro Vilar, 2016.
A relação dos comerciantes paratienses com contrabandistas portugueses e piratas estrangeiros perdurou o restante do século XVIII, condição essa que foi nesse período que a vila cresceu em população, riqueza e urbanisticamente. Fato esse que em 1717 a vila possuía em torno de 50 edificações, mas em 1790 o valor era de quase 400 edificações.
Com o declínio do ciclo do ouro devido ao esgotamento das minas, o tráfico negreiro, ainda era mantido, no entanto, um novo negócio começou a despontar no final do XVIII, a produção de aguardente de cana-de-açúcar, comumente chamado de cachaça. No Almanak da cidade do Rio de Janeiro (1799), obra que versava sobre a capital e o restante da capitania fluminense, era informado que nas terras de Paraty havia sete engenhos e pelo menos uma centena de alambiques.
Ruínas de uma roda d’água para alambique, na Praia do Engenho, em Paraty. Fonte: http://paraty.com.br/praias/praia-do-engenho-dagua/. Acesso em: 27 de Fev. 2023.
A maior parte dos canaviais cultivados em Paraty e arredores não era usado para o fabrico de açúcar, mas na destilação da cachaça. Condição essa que em relatórios econômicos e administrativos da primeira metade do século XIX, a cachaça era o principal produto produzido nas terras de Paraty. Além de se produzir barris, o maquinário dos alambiques e garrafas.
Por sua vez, Paraty também se tornou um importante porto para o escoamento do café produzido volumosamente na Província de São Paulo e em algumas terras do Rio de Janeiro, ao logo do vale do rio Paraíba do Sul. Por se tratar do porto fluminense mais próximo dos cafezais paulistas, concedeu naturalmente aquela vila a preferência para receber os carregamentos de café que ali eram transportados a lombo de mulas ou dos escravos, para serem embarcados para o Rio de Janeiro, e outras localidades brasileiras e até para outros países.
Coffee-Carriers : (Carregadores de Café). Ludwig & Briggs, 1845.
Todavia, a bonança dos comerciantes paratienses mudou drasticamente a partir de 1877 quando foi inaugurado o ramal da estrada de ferro que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro, mais tarde conectado a Estrada de Ferro Dom Pedro II, permitindo o transporte de café direto para o porto na baía de Guanabara, que era um dos maiores do império. Isso foi um duro golpe para os mercadores de café em Paraty.
Coffee-Carriers : (Carregadores de Café). Ludwig & Briggs, 1845.
Estação Cruzeiro/SP, um dos ramais da estrada de ferro que ia de São Paulo ao Rio de Janeiro e Minas Gerais. Foto de Marc Ferrez, c. 1895. Fonte: VASQUEZ, Pedro Karp. Nos trilhos do progresso: A ferrovia no Brasil imperial vista pela fotografia. São Paulo: Metalivros, 2007. Public domain.
Com a produção cafeeira sendo escoada por trem diretamente para o Rio de Janeiro e Santos, Paraty perdeu sua importância como porto cafeeiro, e para piorar a situação, o comércio ilegal de escravos já não era mais lucrativo. A vila passou a sobreviver principalmente da produção de cachaça, pesca e até se tentou investir no algodão, mas esse não conseguia competir com a produção algodoeira do Nordeste.
Estação Cruzeiro/SP, um dos ramais da estrada de ferro que ia de São Paulo ao Rio de Janeiro e Minas Gerais. Foto de Marc Ferrez, c. 1895. Fonte: VASQUEZ, Pedro Karp. Nos trilhos do progresso: A ferrovia no Brasil imperial vista pela fotografia. São Paulo: Metalivros, 2007. Public domain.
Com o fim do império a Vila de Paraty entrou em declínio, permanecendo quase estagnada por décadas. Somente a partir dos anos 1980, com o investimento no turismo histórico, ecológico, gastronômico e cultural, Paraty conseguiu se reerguer economicamente, assim como, o turismo se tornou uma das principais fontes de renda desse município. Paraty é hoje uma das cidades mais visitadas no estado do Rio de Janeiro e no litoral brasileiro.
Duas escunas diante da ilha da Bexiga, na baía de Paraty. Acervo pessoal de Leandro Vilar, 2016.
Entre os grandes atrativos turísticos de Paraty estão sua baía, ilhas e praias. É possível realizar passeios de barcos ou escunas, os quais regularmente estão disponíveis ao longo do ano. Algumas das ilhas possuem restaurantes e outras são propriedades privadas. A Vila de Trindade é uma das localidades mais procuradas foram do perímetro da cidade.
Além do mar, Paraty também oferece aos turistas que buscam aventura, passeios de jipe e trilhas pela floresta da Mata Atlântica. É também possível visitar-se alguns restaurantes, fazendas e pequenos engenhos produtores de cachaça.
Fotografia da rua Marechal Santos Dias (antiga Rua da Matriz). Acervo pessoal de Leandro Vilar, 2016.
Entretanto, o centro histórico da cidade é o local mais comumente visitado. Ali é possível por passear por ruas que conservam o calçamento que remontam ao século XVIII, apesar que as edificações sejam do período imperial, no século XIX. As quais são pintadas de branco, mas suas portas e janelas são pintadas de outras cores, concedendo uma característica única ao centro histórico. No centro histórico também é possível visitar as igrejas antigas, as praças, as ruínas de um dos fortes e o porto.
Fotografia da rua Marechal Santos Dias (antiga Rua da Matriz). Acervo pessoal de Leandro Vilar, 2016.
Fotografia da Rua Dona Geralda (antiga Rua do Mercado) alagada durante a maré alta. Acervo pessoal de Leandro Vilar, 2016.
O que chama atenção no centro histórico de Paraty é a condição de que algumas das ruas foram projetadas para que quando a maré sobe, ela inunda temporariamente essas ruas. O motivo se deve para a limpeza das vias. Paraty somente ganhou saneamento básico no século XX, logo, para remover-se os dejetos das casas que eram atirados nas ruas, deixava-se que o mar realizasse a faxina. Mesmo passados séculos, ainda hoje algumas ruas se inundam durante a subida da maré.
Fotografia da Rua Dona Geralda (antiga Rua do Mercado) alagada durante a maré alta. Acervo pessoal de Leandro Vilar, 2016.
Curadoria e textos
Historiador Dr. Leandro Vilar
Diretor Geral
Museu Marítimo EXEA
Diagramação
Ticiano Alves
Coordenador de Exposições / Designer
Museu Marítimo EXEA
Revisão da Exposição
Raphaella Belmont Alves
Diretora Executiva | Revisora ortográfica
Museu Marítimo EXEA
Camila Rios
Diretora Técnica | Museóloga
Museu Marítimo EXEA
Rebeca Garcia
Museóloga
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