EXPOSIÇÃO VIRTUAL

Quando o mar trabalha

Por ahcravo gorim – António José Cravo   |   Sessão V

(tem pelo na venta
dizem)

é duro viver aqui
arrancar com as minhas mãos
o pão ao mar
ser como o meu homem
sem favor de ninguém

o sal queima e endurece a pele
envelheço com a fome de inverno
que o tinto aquece

tenho pelo na venta sim
não o posso negar
tenho pelo na venta sim
também o tem o mar

além onde
as cores se confundem
mar e céu se unem
mora o meu sonho
o meu desejo

um barco parte
nele somos mais que nós
levamos connosco
raça que herdámos
de um tempo
antes do tempo

sobre o mar caminhamos
sem medos de vagas
correntes ventos
de onde viemos
para onde vamos
é um caminho que fazemos
de espuma a ferver

além
para além ainda
da linha do horizonte
morarei sempre
onde o sol nascer

vejo o peixe
faço contas

quantas canastras dará?
na lota quanto poderá valer?
quando fizerem o leilão até onde posso ir?

pisco o olho ?
baixo a cabeça ?
levanto o dedo ?

tantas maneiras de dizer o meu preço
não dou mais
compro
não quero
sem dar a saber aos outros
é esta a minha arte
saber comprar
para poder vender

também eu vivo do mar
do mar e do que ele der

vendo peixe
é esse o meu viver

entre mar e terra
me reparto

miúdo caminhar
pesados passos
diária labuta

é de peixe que vivo

sou o que ficou
nestas breves
partidas diárias
onde o carapau é carta de chamada
e a areia o regresso possível

sei que volta
mas os olhos não perdem
o barco

o meu homem
os meus olhos

não perdem
os meus olhos
o barco
o meu homem
eu

viver do mar
é ser homem/barco/mãe/mulher
cuidar da casa
do barco
do peixe

viver do mar
não é viver no chão

aroma de mar
doce intenso
essências de sal e sol
refrescam o corpo

é esse o meu perfume

desde pequena que o uso
encontrei-o no meu deambular
de criança
pela areia da praia
quando uma onda mais atrevida
me molhou toda

tenho o perfume
entranhado na pele

por isso
é de mar o meu rasto
rainha desta praia
também eu sou a xávega

sonho um beijo de ondas
lábios de espuma
sobre os meus

estou viva
na areia quente o meu corpo
encontra regaço para a ternura

sonho
aroma do mar
sol a queimar-me a pele
quebrar de ondas na areia da praia

espero
uma mão sobre a face

sei que vens
o mar não mente
e ele disse-me que vinhas

sei das letras os desenhos
pelas crianças feitos
na areia da praia

no alfabeto da minha vida
cada dia é uma letra

umas mais cheias
outras mais finas
escritas pelo mar

dia a dia marcadas
no corpo que no meu rosto
se espelha

dos números
as contas
somar peixe
dividir sardinha pão
subtrair dias de norte

multiplicar
nunca houve o quê
neste viver feito do mar
azar e sorte

indefinido rosto
duro gretado gasto
rasgado de histórias
desafiante porte

ao mar afoitos
no quebrar de ondas
o bojo da barca
parece voar

é assim esta gente
que mata a fome
quando come do mar

sinto que posso partir
o tempo passou
como o norte no cabelo

a despedida está feita
volto à terra
ao seu seio mais fundo

a viagem foi longa
o destino aproxima-se
aí me apearei
e serei terra também

deixo no mar
nos meus irmãos
de outros arados
a lembrança
de uma mulher de negro
um guarda chuva em dias de sol

vim da terra
à terra volto
levo comigo o mar

sei que vou morrer
cheia de vida

SESSÃO I

Créditos

Exposição Virtual: Quando o mar trabalha

Poemas e fotografias

António José Cravo
Fotógrafo / Portugal

Diagramação

Ticiano Alves
Diretor Geral
Museu Marítimo EXEA

Revisão da Exposição

Leandro Vilar
Coordenador de Exposições
Museu Marítimo EXEA

Rebeca Garcia
Museóloga
Museu Marítimo EXEA

Raphaella Belmont Alves
Diretora Executiva | Revisora ortográfica
Museu Marítimo EXEA

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