Por Dr. Johnni Langer

INTRODUÇÃO

Introdução

Vikings. Poucas vezes algum tipo de tema histórico suscitou tanto impacto no Ocidente. Presentes nas artes visuais, na literatura e na divulgação histórica, os vikings são uma presença constante em nossos sonhos, imaginários e cotidiano. Apesar de serem mencionados em fontes históricas do Medievo até o Setecentos, foi somente a partir do Romantismo Oitocentista que começaram a ser realmente populares. Mas tudo o que os envolve é motivo de polêmica entre os acadêmicos e no público em geral: das origens de sua terminologia, o sentido de suas ações e especialmente, o impacto de seu legado – afinal, foi positivo ou negativo? Assim, não podemos descrever apenas “um tipo de viking” – existiram os mais diversos, elaborados ou repensados ao sabor da História e da Arte: piratas, salteadores, comerciantes pacíficos, violentadores, heróis, vilões, pagãos, colonos, guerreiros, etc.

Para esta exposição pensamos especialmente em um tipo de representação imagético-literária: o viking como rei do mar, mas que não deixou de envolver também os outros aspectos mencionados. Ela surgiu inicialmente pela interpretação do termo vikings como sendo vi-kings (sea-kings, reis do mar, reforçado pelo nórdico antigo sækonungr, reis do mar, das sagas islandesas) em língua inglesa, ao final do século 18, rapidamente popularizada na França e em outros países.

Mas a sua grande repercussão veio com o poema Vikingen (1811), do poeta sueco Erik Gustaf Geijer, que foi traduzido por quase toda a Europa. Aqui nós temos a principal chave de compreensão do viking enquanto um aventureiro heroico que se lança ao mar, tanto para obter fortuna, quanto casamento e glória social. Essa imagem repercutiu largamente nos romances após 1840, criando uma grande expectativa nos leitores em torno de um tipo de ação que dependia quase que exclusivamente da saída ao mar, numa espécie de canalização do desejo de aventura e “escapismo”, típico do período.

A representação visual dos “reis do mar” seguiu algumas variações. A forma mais popular e icônica é a de uma embarcação em meio ao Oceano Atlântico e seus mares, destacando as figuras de lideranças erguidas sobre a proa, geralmente ostentando os fantasiosos elmos com asas ou chifres. Aqui temos uma maior valorização dos aspectos bélicos e guerreiros dos vikings: portando escudos, espadas, machados, lanças ou apresentando aspectos furiosos e bestiais, quando apresentados de forma negativa – e quase sempre dentro de uma embarcação longa de guerra, do tipo skeiđ ou snekkja, popularizados na forma estereotipada do drakkar.

Outra variação é uma maior ênfase nos aspectos puramente aventureiros – neste caso, muitas vezes não foram representados equipamentos bélicos e a própria embarcação é destituída de escudos laterais e figuras de proa, apresentando-se navios do tipo knǫrr e byrđingr, usados para o comércio, transporte e pesca, os quais atuavam entre os mares da Noruega e de Labrador, apresentando viagens transcorridas entre a Islândia a América do Norte. Que neste caso são representações historicamente mais corretas).

Mas além da vertente de recepção pública ávida pelas produções escapistas, não podemos esquecer que as pinturas com o tema dos reis do mar estiveram vinculadas também com os nacionalismos. As obras que selecionamos entre os anos 1873 a 1915 possuem relação objetiva com as questões de identidade nacional de cada região de seu autor. O viking, antes de tudo, foi e é o reflexo de nossos próprios anseios e idealizações sobre a História. Dos países escandinavos, foram selecionadas quatro telas norueguesas, duas dinamarquesas e uma sueca.

EXPOSIÇÃO

A exposição

A Noruega produziu muito mais obras no tema dos “reis do mar” devido à sua própria especificidade geográfica: é o país escandinavo com maior litoral marítimo e o mais dedicado à pesca e navegação costeira durante o Oitocentos. Ao mesmo tempo se encontrava submetida politicamente à Suécia até 1905. Neste sentido, os vikings surgem como uma grande opção de refletir suas glórias passadas e seu desejo de liberdade: das quatro telas, três representam conquistas (a descoberta da América e a colonização islandesa: figura 1, 2 e 3) e uma assinala uma de suas principais características físicas, os fiordes (figura 4).

Figura 1: Os noruegueses desembarcam na Islândia em 872. Oscar A. Wergeland, Noruega, 1877, óleo sobre tela.

Figura 2: Leif Eriksson descobre a América. Christian Krohg, Noruega, 1893, óleo sobre tela.

Figura 3: Leif Eriksson descobre a América. Hans Dahl, Noruega, 1915, óleo sobre tela.

Figura 4: Navios vikings. Hans Gude, Noruega, 1889, aquarela e lápis.

Figura 5: Cena de pintura mural no palácio de Frederiksborg. Lorenz Frølich, Dinamarca, 1883-1886.

Os dinamarqueses e os suecos representaram os vikings em centenas de obras artísticas, da literatura à cultura visual, mas muito pouco no tema dos “reis do mar”. Eles preferiram elaborar uma identidade pautada na antiga cultura nórdica, suas pedras rúnicas e o seu modo de vida nas fazendas, fortificações e grandes batalhas, cujas informações vinham sendo recuperadas amplamente pela Arqueologia desde os anos 1840. Ou seja, as ações históricas dos vikings enquanto criadores de cidades e “civilizações”. Por isso, uma das pinturas selecionadas da Dinamarca (figura 5), é uma das poucas cenas marítimas de um painel mural com 37 metros, repleto de ações terrestres, destacando a conquista da Inglaterra.

Figura 5: Cena de pintura mural no palácio de Frederiksborg. Lorenz Frølich, Dinamarca, 1883-1886.

A segunda obra dinamarquesa é uma produção de um pintor especializado tem temas marítimos, Carl Rasmussen (figura 6), mas ao invés de apenas glorificar os expedicionários, estes são meros detalhes em meio à imensidão impetuosa das águas groenlandesas – o autor destacou as baleias, os icebergs, o céu e a fúria das ondas. Mas claro que a valentia e a ousadia dos nórdicos estiveram presentes.

Figura 6: Noite de verão sob a costa da Groenlândia por volta do ano mil. Carl Rasmussen, Dinamarca, 1875, óleo sobre tela.

Figura 7: Frithiof vai ao exílio. August Malmström, Suécia, 1880, óleo sobre tela.

Já a pintura selecionada da Suécia (figura 7) apresenta o grande aventureiro romântico, Frithiof, em uma embarcação, pintado por August Malmström. O seu perfil é o grande destaque, tendo pouco espaço visual para o mar aberto. Aqui, Malmström difere totalmente de Rasmussen, preferindo muito mais a preponderância do herói do que a paisagem natural.

Figura 7: Frithiof vai ao exílio.August Malmström, Suécia, 1880, óleo sobre tela.

Um panorama um pouco diferente tivemos com a Inglaterra e os Estados Unidos. Estes foram os dois principais países não escandinavos a incrementarem a produção de obras envolvendo os “reis do mar”. O caso britânico foi possivelmente devido à sua grande política expansionista e marítima no século 19. Os vikings foram considerados uma espécie de “antecessores” do sucesso inglês pelo mundo, descobrindo, conquistando e submetendo todos perante a sua fúria e intrepidez. Neste sentido, nenhuma tela é mais significativa que a do pré-rafaelita Frank Dicksee (Figura 8), encarnando este espírito arrojado e conquistador dos nórdicos.

Figura 8: Vikings em busca de terras. Frank Bernard Dicksee, Inglaterra, 1873, lápis e aquarela.

Figura 9: Navio viking. Edward Burne-Jones, Estados Unidos, 1883-1884, vitral.

Quanto aos Estados Unidos, os vikings surgiram como uma grande alternativa “civilizatória” ao seu passado antecedendo os colonos ingleses, deixando os indígenas de lado. Essa pretensão histórica seria basicamente referendada por estátuas, monumentos e pinturas, enfatizando a chegada dos europeus medievais pelas águas inóspitas. Aqui o Oceano Atlântico se torna uma ponte entre mundos, ao invés de um obstáculo físico. O maravilhoso vitral de outro pré-rafaelita, Edward Burne-Jones (figura 9), é exemplar neste sentido: atrás do comando do leme da embarcação, uma lâmpada ilumina o caminho até o Novo Mundo, ou seja, os vikings trazem as luzes da civilização! Algo muito próximo da pintura de Nikolai Roerich (figura 10), onde a ordem civilizacional no mundo russo teria vindo de fora, com a onda normanista.

Figura 9: Navio viking. Edward Burne-Jones, Estados Unidos, 1883-1884, vitral.

Figura 10: Convidados do exterior. Nikolai Konstantinovich Roerich, Rússia, 1910, óleo sobre tela.

Figura 11: Kane no Mar dourado. Frank Frazetta, Estados Unidos, 1977, ilustração.

Por outro lado, também nos Estados Unidos foi muito popular outra vertente dos “reis do mar”, a de seu lado negativo, enquanto navegadores que levavam a barbárie, o caos e a violência para o mundo antigo: Frank Frazetta (figura 11) realizou a mais célebre representação artística deste estereótipo em 1977, mas ela já havia sido precedida pelos alemães e franceses como com Ferdinand Leeke (figura 12), uma ilustração publicada no Le Petit Journal (figura 13) e uma pintura de Albert Sébille (figura 14).

Figura 11: Kane no Mar dourado. Frank Frazetta, Estados Unidos, 1977, ilustração.

Figura 12: Uma invasão viking. Ferdinand Leeke, Alemanha, 1908, óleo sobre tela.

Figura 13: O desembarque dos vikings na costa da Normandia. Anônimo, Le Petit Journal, França, 1911, ilustração.

Figura 14: Os reis do mar em expedição. Albert Sébille, França, 1930, aquarela sobre tela. Obs.: imagem original editada para melhorar a qualidade.

E ainda nos Estados Unidos, não podemos deixar de mencionar uma das produções artísticas mais influentes no mundo acadêmico especializado nos estudos dos nórdicos antigos: a pintura de Tom Lovell para a revista National Geographic em 1970 (figura 15). Nela já não temos os bárbaros musculosos e nem mesmo os “vikings” em si: trata-se de uma reconstituição de colonos nórdicos armados que descarregam os seus equipamentos e mantimentos na Vinlândia, tudo dentro de um cenário arqueologicamente correto.

Figura 15: Nórdicos desembarcam na Vinlândia. Tom Lovell, Estados Unidos, 1970, ilustração para a revista National Geographic.

CONCLUSÕES

Considerações finais

O século 19 e início do 20 foram períodos de intensas mudanças, onde o nacionalismo ocupou um espaço importante como enquadramento ideológico e social. As artes visuais tiveram um grande papel na construção de identidades e temáticas nacionais, essenciais para países que buscavam autoafirmação, delimitação de fronteiras e identidades dentro de um mundo cada vez mais globalizado.

Neste contexto surgiram vários trabalhos artísticos relacionados com os nórdicos antigos, que “inventaram” visualmente os vikings, dentro de um conjunto de práticas de natureza simbólica, inculcando valores e comportamentos e implicando uma relação artificial com o passado. A História foi ressignificada e assim substituída por uma série de imagens ou estereótipos inspirados nas sagas islandesas, nas crônicas medievais e nas fantasias individuais dos artistas e da sua sociedade.

As obras artísticas integraram o conteúdo da História dos antigos nórdicos no tempo presente – o do artista e da sociedade em que as obras foram geradas – também fornecendo referências para os tempos e objetivos futuros da nação. Mas, ao mesmo tempo, os estereótipos visuais também foram modificados, transformados e adaptados por cada artista em cada região e contexto, criando diferentes significados.

Enquanto em muitos países os antigos nórdicos eram interpretados como heróis do seu passado histórico-mítico, outros os entendiam como invasores ou inimigos. A inserção de diversas obras de arte com a temática dos reis do mar, em espaços públicos e privados, a partir da década de 1850, foi uma demonstração da extrema importância que os motivos nórdicos obtiveram no seio dos nacionalismos. O viking, antes de tudo, foi e é o reflexo de nossos próprios anseios e idealizações sobre a História.

Créditos

Exposição Virtual: "OS VIKINGS: REIS DO MAR"

Curadoria e textos

Johnni Langer
Professor da UFPB, coordenador do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos, integrante do grupo Reception (Universidade de Alcalá) e editor chefe do periódico Scandia Journal of Medieval Norse Studies. https://ufpb.academia.edu/JohnniLanger

Diagramação

Ticiano Alves
Coordenador de Exposições / Designer
Museu Marítimo EXEA

Revisão da Exposição

Leandro Vilar
Diretor Geral
Museu Marítimo EXEA

Raphaella Belmont Alves
Diretora Executiva | Revisora ortográfica
Museu Marítimo EXEA

Camila Rios
Diretora Técnica | Museóloga
Museu Marítimo EXEA

Bibliografia

  • BOYER, Régis. Le mythe viking dans les lettres françaises. Paris: Payot, 1982.
  • LANGER, Johnni. Horned, barbarian, hero: the visual invention of the Viking through European art (1824-1851), Scandia Journal of Medieval Norse Studies 4, 2021, pp. 131-180.
  • LANGER, Johnni; MENINI, Vitor Biaconi. A invenção literária do nórdico: Vikingen (O Viking), de Erik Gustaf Geijer (1811). Scandia Journal of Medieval Norse Studies 3, 2020, pp. 709-738.
  • OLIVEIRA, Leandro Vilar. As embarcações da Era Viking (sécs. VIII-XI). Atlanticus: Revista do EXEA 2, 2023, pp. 47-72.
  • OLIVEIRA, Leandro Vilar. Vikingmania: dois séculos da construção da representação dos vikings. Scandia Journal of Medieval Norse Studies 4, 2021, pp. 469-502.
  • WAWN, Andrew. The Vikings and the Victorians: Inventing the Old North in 19th-Century Britain. London: D.S. Brewer, 2002.
  • WILSON, David. Vikinger og Guder i Europæisk Kunst. Aarhus: Moesgard Museum, 1997.

Fontes das Imagens

  1. Os noruegueses desembarcam na Islândia em 872. Oscar A. Wergeland, Noruega, 1877, óleo sobre tela. Disponível em: https://bit.ly/3UtZNra
  2. Leif Eriksson descobre a América. Christian Krohg, Noruega, 1893, óleo sobre tela. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Christian-krohg-leiv-eriksson.jpg
  3. Leif Eriksson descobre a América. Hans Dahl, Noruega, 1915, óleo sobre tela. Disponível em: https://en.m.wikipedia.org/wiki/File:Leif_Erikson_Discovers_America_Hans_Dahl.jpg
  4. Navios vikings. Hans Gude, Noruega, 1889, aquarela e lápis. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hans_Gude_-_Vikingskip_i_Sognefjorden_-_1889.jpg
  5. Cena de pintura mural no palácio de Frederiksborg. Lorenz Frølich, Dinamarca, 1883-1886. Disponível em: https://castlesandcoffeehouses.com/tag/frederiksborg-castle/
  6. Noite de verão sob a costa da Groenlândia por volta do ano mil. Carl Rasmussen, Dinamarca, 1875, óleo sobre tela. Disponível em: https://en.m.wikipedia.org/wiki/File:I._E._C._Rasmussen_-_Sommernat_under_den_Gr%C3%B8nlandske_Kyst_circa_Aar_1000.jpg
  7. Frithiof vai ao exílio. August Malmström, Suécia, 1880, óleo sobre tela. Disponível em: https://bit.ly/49OEoNS
  8. Vikings em busca de terras. Frank Bernard Dicksee, Inglaterra, 1873, lápis e aquarela. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Frank_Dicksee_-_Vikings_Heading_for_Land.jpg
  9. Navio viking. Edward Burne-Jones, Estados Unidos, 1883-1884, vitral. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Burne-Jones-Viking_Ship.jpg
  10. Convidados do exterior. Nikolai Konstantinovich Roerich, Rússia, 1910, óleo sobre tela. Disponível: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Nicholas_Roerich,_Guests_from_Overseas.jpg
  11. Kane no Mar dourado. Frank Frazetta, Estados Unidos, 1977, ilustração. Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/61854194865791148/
  12. Uma invasão viking. Ferdinand Leeke, Alemanha, 1908, óleo sobre tela. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ferdinand_Leeke_Ein_Wikinger%C3%BCberfall.jpg
  13. O desembarque dos vikings na costa da Normandia. Anônimo, Le Petit Journal, França, 1911, ilustração. Disponível em: https://bit.ly/3JrqCWO
  14. Os reis do mar em expedição. Albert Sébille, França, 1930, aquarela sobre tela. Disponível em: https://bit.ly/449rV6g
  15. Nórdicos desembarcam na Vinlândia. Tom Lovell, Estados Unidos, 1970, ilustração para a revista National Geographic. Disponível em: https://on.natgeo.com/3UtsO6D
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