Fernand Paul Achille Braudel (1902-1983) foi um renomado historiador francês, reconhecido por ter dirigido a Segunda Geração da Escola dos Annales, movimento historiográfico surgido em 1929 que moldou o estudo da História no século XX. Braudel escreveu alguns volumosos livros, vários artigos e capítulos, inclusive até deu aulas no Brasil, atuando como professor da missão francesa na Universidade de São Paulo (USP), na década de 1930.
Embora sua produção tenha sido vasta, seu livro mais famoso foi oriundo de sua tese de doutorado que lhe tomou dez anos de sua vida para ser produzida. Trata-se de O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Filipe II (1949), obra que o lançou a fama mundial como historiador. Neste volumoso trabalho de mais de mil páginas, condição que ele costuma ser vendido em dois volumes (as vezes três volumes), Braudel apresentou duas abordagens historiográficas: a longa duração e a geo-história.
A longa duração estipula uma análise histórica de acontecimentos, períodos e lugares observando-se ao longo de décadas ou séculos, por sua vez, a geo-história consiste num estudo da paisagem e do meio-ambiente e a influência desses no desenvolvimento histórico da localidade ou região estudados. Sobre a questão geografia, Braudel escreveu:
“O Mediterrâneo é um mar encarcerado entre terras, mas as terras que o cercam têm características distintas. Em termos gerais, porém, pode afirmar-se que o Mediterrâneo é um mar entre montanhas. Tal situação é plena de consequências, que, de um ponto de vista histórico, importa realçar”. (BRAUDEL, 1983, p. 35).
Posto isso, Braudel dividiu seu livro em três partes: a primeira destinada a estudar a geo-história do Mar Mediterrâneo, do Mar Negro, do Oceano Atlântico e de vários países que se conectavam por via marítima; a segunda parte dedicada a economia, a demografia, as sociedades, as migrações, viagens e guerras; a terceira parte centrada nas questões políticas e militares durante o império espanhol de Filipe II, mas também de outras nações como Portugal, França, Itália, Grécia e Turquia.
O que chama atenção nesse extenso trabalho foi a condição de Braudel tornar o Mediterrâneo em protagonista de um estudo histórico. Esse importante mar não era apenas uma paisagem azul, mas um “ator ativo” de grandes eventos históricos que marcaram acontecimentos na Europa, Ásia, África e até conectados às Américas também. Sobre isso o autor escreveu em um dos prefácios de seu livro:
“Penso que o melhor documento sobre o passado do mar é ele próprio, tal como cada um pode ver e amar. […]. Poderá pensar-se que eu poderia ter recorrido a um exemplo mais simples que o Mediterrâneo para explicar os laços entre a história e o espaço, tanto mais que, à escala dos homens, o mar Interior era, no século XVI, bastante mais vasto que hoje; uma personagem complexa, embaraçosa, excepcional, que escapa às nossas medidas e definições. Inútil é pretender escrever dele a história simples, no gênero “nasceu a…”; tal como é inútil tentar escrever com simplicidade a seu respeito, contar singelamente como as coisas passaram… O Mediterrâneo nem se quer é um mar, antes é um “complexo de mares”, de mares pejados de ilhas, cortados por penínsulas, cercados por constas rendilhadas; a sua vida está ligada à terra, a sua poesia é predominantemente rústica, os seus marinheiros são camponeses nas horas vagas; é o mar dos olivais e das vinhas, tanto como dos esguios barcos a remos ou dos redondos navios dos mercadores, e a sua história não pode ser separada do mundo terrestre que o envolve, tal como a argila o não pode ser do artesão que a modela”. (BRAUDEL, 1983, p. 22).
Referência
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Filipe II. Lisboa: Livraria Martins Fontes Editora Ltda, 1983.