Francisco do Nascimento: o Dragão do Mar

Em 20 de Novembro se celebra no Brasil, o Dia da Consciência Negra, feriado que reflete sobre a valorização da cultura afro-brasileira e africana, além do combate ao racismo, entre outras questões.

Em 20 de Novembro se celebra no Brasil, o Dia da Consciência Negra, feriado que reflete sobre a valorização da cultura afro-brasileira e africana, além do combate ao racismo, entre outras questões. Dessa forma para prestar uma homenagem a essa data, hoje trago uma breve história sobre Francisco do Nascimento, jangadeiro abolicionista que teve um papel significativo no movimento abolicionista no Ceará, a primeira província brasileira a decretar o fim da escravidão no Brasil.

Muito da história de Francisco José do Nascimento é desconhecida, principalmente pela condição de que ele somente ganhou notoriedade depois dos quarenta anos. No caso, ele nasceu em 1839, na comunidade pesqueira em Canoa Quebrada, no município de Aracati. Era filho de uma família pobre de pescadores, sendo seus pais Manoel do Nascimento e Matilde Maria da Conceição. Quando ele completou 8 anos de idade, seu pai faleceu, levando sua mãe a arrumar um emprego para o menino como garoto de recados em navios.

Francisco passou sua infância e adolescência trabalhando em navios de passageiro e carga, além de atuar como grumete. Nesse tempo aprendeu os ofícios de marinheiro. Ele também trabalhou em alguns portos, fato esse que em 1874, com seus 35 anos, seu nome já constava na lista de práticos na Capitania dos Portos do Ceará. Ele também atuava como jangadeiro, operando jangadas para o transporte de pessoas e cargas. Embora nunca tenha ido para a escola, aprendeu a ler e escrever.

Por ser de origem pobre, além de ser negro, em algum momento Francisco se posicionou contrário a manutenção da escravidão, tendo como um dos grandes amigos, o ex-escravo José Luís Napoleão, que também atuava como jangadeiro. No ano de 1880 foi fundada em Fortaleza a Sociedade Cearense Libertadora (SCL), organizada por políticos, funcionários liberais e intelectuais cearenses para promover o fim da escravidão na província.

Dessa forma, entre 27 e 30 de janeiro de 1881 ocorreu a Primeira Greve dos Jangadeiros no porto de Fortaleza, cujo protesto promovido pelos jangadeiros, mas com apoio de membros da SCL e outros segmentos da sociedade, se manifestou contrário as ordens de transportar escravos para navios. Pois aqueles homens e mulheres seriam vendidos em mercados no Sudeste. A primeira greve foi liderada por José Napoleão e Maria Simôa da Conceição (conhecida como Preta). Na ocasião, Nascimento esteve presente nas manifestações.

Passados alguns meses novo protesto ocorreu em 30 de agosto de 1881, a Segunda Greve dos Jangadeiros, dessa vez, liderada por Nascimento, em que ele incentivou os jangadeiros e outros trabalhadores portuários (a maioria negros e pardos) a se manifestarem contrários ao descaso com esses trabalhadores e a manutenção da escravidão. Nessa época Nascimento já era vinculado a SCL. A segunda greve causou forte impacto e por conta disso, Nascimento foi demitido de seu cargo de prático.

A partir desse ato a fama de Francisco do Nascimento começou a se espalhar pelos portos e comunidades pesqueiras, em que falavam de um jangadeiro abolicionista, o qual se negava a transportar escravos e defendia a liberdade deles. É evidente que essa fama foi sendo construída nos anos seguintes para torná-lo um dos heróis da abolição.

Em 1884 a Província do Ceará oficialmente aboliu a escravidão, sendo a primeira província do Império do Brasil a fazer isso. Naquele ano, Nascimento participou de uma viagem ao Rio de Janeiro, levando sua jangada Liberdade abordo do navio Espírito Santo. A jangada se tornou uma atração, sendo exibida pelas ruas da capital até que foi doada ao Museu Nacional, depois disso ela sumiu da História após ser transferida para o Museu da Marinha.

Além da exposição da jangada como símbolo da abolição no Ceará, o próprio Nascimento foi cumprimentado e ovacionado, sendo destaque em matérias de jornais e revistas, inclusive ele ganhou uma medalha de honra enviada pela Família Real. Foi a partir desse momento que mais tarde ele viria a ser chamado de “Dragão do Mar” por conta de sua audácia, mas também por parte do mito político construído sobre sua pessoa, no intuito de aumentar seus feitos, algo principalmente objetivado pela propaganda política da República.

Em retorno ao Ceará, Francisco do Nascimento seguiu participando de assuntos políticos promovidos pela SCL e a elite fortalezense, além de também em aderir ao movimento republicano. É preciso salientar que embora a abolição fosse defendida e aprovada naquele tempo, aquilo dividiu opiniões, pois parte da sociedade ainda era a favor da manutenção da escravidão, além de que no restante do país a escravidão perdurou até 1889.

Após a fama conquistada em 1884, Francisco do Nascimento viveu mais vinte anos, falecendo aos 75 anos, tendo casado uma segunda vez e tendo mais filhos, porém, ele não se beneficiou da fama que lhe consagraram, pois não fez riqueza ou conquistou cargos políticos relevantes. Seu nome e figura foram usados para uma causa, e tendo essa sido alcançada, com o tempo Nascimento foi sendo esquecido. Somente após sua morte alguns escritores, jornalistas e historiadores começaram a resgatar sua memória, e a importância dele como abolicionista de baixa origem, já que muitos abolicionistas do final do império, eram homens letrados e burgueses.

Entre as homenagens ao papel de Francisco do Nascimento como abolicionista no Brasil império, está o Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura idealizado em 1993, inaugurado em 1999, na Praia de Iracema, em Fortaleza. O qual em mais de vinte anos proporciona cultura, arte e educação ao povo cearense.

Referências:

MILES, Tshombe. O Escolhido: Dragão do Mar. Revista Caderno de Estudos e Pesquisas do Sertão, Quixadá, v. 1, n. 1, 2013, p. 51-60.

XAVIER, Patrícia Pereira. O Dragão do Mar na “Terra da Luz”: a construção do herói jangadeiro (1934-1958). Dissertação de Mestrado em História Social, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2010.

O Dragão do Mar na história do Ceará. Disponível em: http://www.dragaodomar.org.br/institucional/dragao-do-mar-na-historia-do-ceara.

Leandro Vilar
Leandro Vilar

Sou historiador, professor, escritor, poeta e blogueiro. Membro do Museu Virtual Marítimo EXEA, membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE).

Artigos: 57
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