Janeiro de 1944. Três navios alemães adentram o Atlântico Sul contornando o Cabo da Boa Esperança. Haviam zarpado de bases navais ocupadas pelos japoneses no sudeste asiático e se encaminhavam para a Europa.
Seu carregamento não era feito de dinheiro, ouro ou armas, mas de valiosos itens que, se chegassem à Alemanha, abasteceriam a máquina de guerra nazista. Os três navios eram: o Rio Grande, o Burgenland e o Weserland. Recentemente, o MV Weserland ganhou notoriedade, pois sua carga preciosa voltou a ser vista após quase 80 anos no fundo do mar.
Os fardos de Borracha que saíram de seus porões foram parar recentemente nas praias do Nordeste brasileiro, entre os litorais de Alagoas e da Bahia, com escritas em kanji (japonês). Mas, quem era este navio, suas origens e como passou a ser empregado durante a II Guerra Mundial (1939-1945)? Para responder a estes e outros questionamentos, analisamos os relatórios originais elaborados pelo Departamento de Defesa e pela Marinha dos Estados Unidos, bem como aporte bibliográfico e recortes de jornais do período. Eis os fatos.
A Batalha do Atlântico (1939-1945) foi a mais duradoura de toda a II Guerra Mundial. Desde os primeiros momentos do conflito mundial até os seus estágios finais, o mar foi palco de operações de guerra. Nele, os alemães e sua marinha de guerra, a Kriegsmarine, tentaram vencer o Império Britânico através de bloqueio naval. Não tendo a possibilidade de encarar a Marinha Real Britânica frente a frente (pois os alemães não tinham navios de guerra de supercífie em quantidade suficiente), restou a eles empregar táticas diferentes para tal fim. Os oceanos da Terra em especial o Atlântico ficaram infestados de U-Boats (submarinos), que ocultos sob as ondas do mar, fizeram centenas de milhares de vítimas. Os navios mercantes aliados eram presas fáceis no começo da guerra: sem escoltas adequadas, nem armamentos ou táticas para combatê-los, os submarinos alemães reinaram no Atlântico até meados de 1943.
Ao mesmo tempo, os alemães empregaram outra tática de sucesso: o Corso. Os navios corsários ou Hilfskreuzer em alemão (em inglês geralmente utiliza-se a expressão Commercial Raiders), já haviam sido empregados com sucesso pelos alemães na I Guerra Mundial (1914-1918). Novamente, seriam utilizados. Vários navios mercantes foram despachados para o Atlântico e outros oceanos para atacar as rotas mercantes. Eles fizeram grandes estragos até o ano de 1942, quando começaram a ser caçados um a um e afundados.
Estes “Corsários” disfarçavam-se de navios de nações neutras ou ostentavam cores e bandeiras das nações beligerantes buscando evitar o máximo possível evitar contato com o inimigo. Mas uma vez encontrando um mercante solitário, investiam contra ele, afundando-o, tomando suas cargas (se preciosas) e tripulações como prisioneiras e em seguida, afundavam-nos. Até meados de 1943, a Kriegsmarine causou grandes estragos aos aliados. Porém, a maré da guerra se voltou contra os alemães.
Na Inglaterra, as mensagens trocadas entre os navios da Kriegsmarine e Berlim começaram a ser interceptadas. Os aliados tinham agora total ciência de onde os alemães atacariam ou para onde iriam deslocar-se. Um a um, os Corsários foram sendo caçados e afundados, assim como os U-Boats. Ainda assim, mesmo após 1943, eles ainda eram vistos como uma grande ameaça. Enquanto isso, no continente, a Alemanha começava a perder batalhas importantes e a ceder territórios: na União Soviética, vieram as derrotas em Stalingrado (1942) e depois em Kursk (1943). No Norte da África, El-Alamein (1942) e em seguida a invasão da Sicília (Itália) (1943) pelos americanos e britânicos. Era o prenúncio do fim da Alemanha Nazista.
Com escassos recursos, sem acesso a fontes de Petróleo e suas indústrias sendo bombardeadas quase que diariamente, aos alemães restou fazer uso de tentativas desesperadas para obter recursos de onde quer que viessem e da forma que fosse preciso. E a Kriegsmarine entraria em cena novamente, com uma última e desesperada cartada: os rompedores de bloqueio.
Chamados em inglês pelo termo Blockade Runners, consistiam em navios mercantes (armados ou não), que carregariam suprimentos de volta à Alemanha por via marítima. Com as fontes de recursos escassas na Europa, só existia um caminho de onde poderiam obtê-los: os oceanos. O Império Japonês era aliado da Alemanha Nazista e, ainda que separados pela geografia, mantiveram constantes contatos entre si por via aérea e marítima.
Até meados de 1942, os japoneses controlavam um grande Império no Extremo Oriente. Entre suas possessões, estava o Sudeste Asiático. Estes locais eram antigas colônias holandesas, francesas e inglesas. Agora, eram fontes abundantes de Petróleo e outros recursos como a Borracha, itens fundamentais para fazer de quase tudo: desde uniformes militares, veículos de combate, tanques e é claro, o precioso combustível tão necessário aos famosos Panzers (nomenclatura utilizada para designar os tanques de guerra da Alemanha). Até 1945, estes locais ficariam de posse dos japoneses, sendo portanto aproveitados pelos alemães.
Os blockade Runners da Kriegsmarine atuavam disfarçados nos oceanos desde o início da guerra, fazendo atividades de abastecimento de combustível e víveres aos Corsários, U-Boats e a outros navios de guerra alemães. Mas agora, com a guerra se voltando contra eles, uma última e desesperada operação foi realizada. E é aqui onde o MV Weserland entra nesta História. O Weserland foi construído na Alemanha em 1922, pelos estaleiros da Blohm & Voss em Hamburgo. Era um cargueiro de 6.528 toneladas e que fazia 11 nós de velocidade (ou 20 km/h). No começo, ele foi comissionado à empresa Hamburg Amerikanische Packetfahrt A.G (HAPAG), com sede também em Hamburgo.
Mas a partir da II Guerra Mundial, ele e vários outros navios mercantes de bandeira alemã que estavam espalhados navegando por todos os oceanos da Terra foram designados para novas tarefas: o Weserland agora tornara-se um blockade Runner, a serviço da Kriegsmarine. Entre 1939 e 1943, abasteceu com sucesso muitos U-Boats e outras embarcações. Estes navios possuíam tripulações muito bem treinadas e comandantes experientes. Eles eram tão importantes que mesmo um distintivo próprio foi produzido para condecorar os tripulantes destes mercantes.
Em sua última e arriscada operação, o Weserland, junto ao Burgenland e o Rio Grande, partiram de suas bases japonesas no oriente rumo ao Atlântico. Era o mês de dezembro de 1943. A carga do Weserland, segundo depoimentos extraídos de seus tripulantes no dia de seu afundamento, consistia de: Borracha, Estanho e Tungstênio. Ao passarem do Cabo da Boa Esperança com sucesso (África do Sul), seguiram rumo ao Atlântico Norte. Mas aquelas águas estavam muito bem vigiadas. Desde 1942 com a entrada do Brasil na guerra, o Nordeste brasileiro serviu como base aérea e naval para os Estados Unidos.
Ali, estava estabelecida a base da 4ª Frota (Base Fox) em Recife (PE). Além dela, bases aéreas em Recife, Parnamirim (RN) e Fortaleza (CE) também estavam sob tutela dos Estados Unidos, de onde aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) e da USAAF (Força Aérea dos EUA) tinham aviões patrulha e de bombardeiros, prontos para interceptar U-Boats e navios de superfície. Somados a eles, as ilhas de Santa Helena e Ascenção (Widewake Field) também foram ocupadas e pistas de pouco construídas. O Atlântico Sul estava bem vigiado e fechado aos inimigos.
Ainda assim, os blockade Runners alemães seguiram com sua missão “quase suicida”. Os relatórios da Marinha dos EUA sugerem que a presença dos navios alemães na área já era conhecida de antemão devido a interceptações de mensagens. Bastou o conhecimento sobre sua presença na área de operações para que as bases aéreas ficassem em alerta máximo. Segundo consta, imediatamente as bases aéreas nas Ilhas Ascenção e em Parnamirim (RN) iniciaram suas patrulhas. 6 aeronaves e 9 tripulações operavam a partir da ilha, enquanto 5 aeronaves e 6 tripulações trabalhariam a partir do Rio Grande do Norte.
Foi justamente uma aeronave dos EUA baseada nas Ilhas Ascenção (esquadrão VB-107) que primeiro avistou o Weserland, em 1º de janeiro de 1944. Ele navegava na posição 09° 35′ S, 23° 45′ W, navegando ao curso 060° a uma velocidade de 10 nós. A aeronave Boeing B-24 “Liberator” dos EUA era comandada pelo tenente M. G. Taylor. De início, Taylor desconfiou da embarcação, pois sua indicação e posição não coincidiam com nenhum relatório de navio aliado navegando próximo dali naqueles dias. Consta que o piloto sinalizou ao navio, que respondeu em seguida com quatro sinais breves, que logo em seguida, não puderam ser vistos pois foram imediatamente retirados.
Sobrevoando mais próximo, conseguiu ver claramente o nome na ponte do navio: Glenbank. Mas Glenbanck era o nome-disfarce utilizado pelo Corsário alemão. Não convencido, o avião americano sinalizou mais vezes, porém, o navio desta vez falhou em sinalizar de volta com algum código que o autenticasse como tal. Estava claro que era um navio inimigo. O avião americano abriu fogo, mas recebeu como resposta salvas de artilharia anti-aérea. O avião foi atingido três vezes, tendo uma de suas turbinas sido danificada e um membro de sua tripulação fora ferido.
Portanto, o Weserland carregava armamentos em seu convés: um canhão naval de 10,5 cm e armas de 4 x 2 cm. A maestria da tripulação alemã em acertar um alvo tão pequeno como um avião a distância comprovou que era bem treinada. Os americanos pediram reforços. Outra aeronave foi enviada das ilhas Ascenção para continuar a perseguição. Desta vez, com mais cautela, o avião americano ficou vigiando a distância, informando sua posição à frota americana. De Recife, imediatamente, foi despachado o destroyer USS Somers, que fazia parte da 4ª frota.
Neste meio tempo, um outro membro do esquadrão VB-107, um Boeing B-24 “Liberator” comandado pelo tenente Robert T. Johnson também investiu contra o navio alemão, atacando-o e recebendo de volta salvas antiaéreas que danificaram sua aeronave. Ainda assim, Johnson permaneceu no local, observando o navio inimigo a distância, até ser substituído. Em seu retorno à base nas ilhas Ascenção, no entanto, sua aeronave chocou-se no mar. Ele havia antes reportado à base a perda de três dos seus motores. Apesar das buscas realizadas posteriormente, nenhum sinal dos seus dez tripulantes ou da aeronave foram encontrados.
A esta altura, já na madrugada entre os dias 2 e 3 de janeiro de 1944, o Weserland seguia sua rota rumo ao Norte, porém agora já sendo perseguido, tendo seu disfarce falhado, não restava outra alternativa a não ser rumar a toda velocidade. O USS Somers, devido a uma falha de comunicação, atrasou sua chegada ao local. Enquanto isso, várias aeronaves já estavam a horas se reversando para manter o inimigo sob contato visual e de radar, nunca perdendo-o de vista. Os aviões atiravam flares (sinalizadores) ao redor do mercante, para que o destroyer americano, na escuridão, pudesse vê-lo.
Havia muita tensão e cautela no ataque. Não se tratava de um mercante indefeso, mas um navio com tripulação bem treinada e com mais armamentos do que se supunha. Geralmente, os Corsários alemães eram armados com canhões de maior calibre, torpedos e mesmo hidroaviões. Uma aproximação feita sem cuidado poderia resultar no afundamento do próprio Somers por armas ou torpedos. O Somers, movendo-se a uma grande velocidade de 25 nós aproximou-se a uma distância de 7000 jardas do alvo (6.4 km). Às AM 2:23 veio a ordem de “abrir fogo”. A primeira salva atingiu o Weserland. Sobreviventes do navio alemão disseram mais tarde que o primeiro tiro foi bem-sucedido. O segundo tiro dado pelo destroyer atingiu em cheio e causou a morte de quatro homens na ponte de comando. Naquele momento, a ordem de abandonar o navio já havia sido dada. O Somers, agora a uma distância de 6000 jardas (5.4 km), o atingia com seus canhões com grande eficiência. Foram observadas cinquenta flashes e duas explosões bem ao centro do navio alemão.
Mas aparentemente, os danos ainda não haviam sido suficientes para afundá-lo. Então, a distância foi reduzida. Desta vez, cinco a seis explosões foram vistas. O Weserland então, afundou às AM 3 horas da madrugada do dia 3 de janeiro de 1944, na posição Latitude 14° 55′ S, Longitude 21° 39′ W. Foram resgatados 134 tripulantes alemães, todos estavam trajando uniformes da Kriegsmarine. Muito em breve, os outros dois rompedores de bloqueio alemães, o Rio Grande e o Burgenland, também seriam afundados pela Marinha dos Estados Unidos.
O afundamento dos três navios alemães foi uma grande vitória para os aliados. Para os alemães, significou o derradeiro fim da tentativa malfadada de trazer recursos da Ásia para a Europa via Atlântico. Tentativas posteriores seriam feitas através de submarinos (U-Boats), porém sem sucesso. Em junho de 1944, a invasão da Normandia (França) o famoso “Dia-D” pelos aliados ocidentais, começou a expulsar os alemães daquela região da Europa. Já não haviam mais lugares seguros para U-boats ou qualquer outro navio. O fim da Alemanha Nazista e de Hitler era apenas uma questão de tempo.
FONTES:
Sites:
https://www.fotw.info/flags/de~hapag.html
http://www.ibiblio.org/hyperwar/USN/Admin-Hist/146-SouthAtlantic/146-SoLant-2.html
Bibliografia
Inspektion der Marine-Artillerie – Leitfaden fuer den Artillerieunterricht in der Kriegsmarine
Michael F. Tucker – German Combat Badges of the Third Reich, Volume I. Heer & Kriegsmarine..-Winidore Press (2002).
Gordon Williamson, Ian Palmer – Kriegsmarine Auxiliary Cruisers-Osprey
Manoel Felipe Batista da Fonseca – Base Fox : aspectos do estabelecimento e desenvolvimento da base naval da U.S. Navy no Recife durante a campanha do Atlântico Sul (1941-1943). Dissertação de Mestrado, UFPE, 2015.