Entre os vários mitos que narram aventuras de Thor, o deus nórdico dos trovões, raios e chuvas, ele possui uma história que o conecta com o mar, no caso, com uma pescaria. No entanto, o ruivo deus nórdico não foi pescar peixes, crustáceos ou moluscos, mas ele foi pescar uma serpente marinha, Jormungand (Jörmungadr), a maior das criaturas na mitologia nórdica.
Jormungand era um dos três filhos dos gigantes Loki e Angrboda, sendo irmão do lobo Fenrir e de Hel, a senhora dos mortos. Quando jovens, Odin baniu os filhos de Loki para diferentes lugares: Fenrir foi preso numa caverna, Hel foi banida para o submundo e Jormungand foi atirado nas profundezas do oceano. Todavia, a serpente com o tempo cresceu tanto, que diziam que ela conseguia circundar o mundo e morder a própria cauda.
Devido a tal condição a serpente gigante era conhecida por alguns epítetos como “cinta de todas as terras” (Hymiskvida est. 22), “colar da terra” (Husdrapa est. 4), “peixe que a todas as águas contorna (Ragnarsdrapa est. 15). Tais referências datam de poemas escritos no século IX, em plena Era Viking (VIII-XI).
O mito da pescaria de Thor possui distintas versões, as quais podem ser lidas em alguns poemas como o Husdrapa, o Ragnarsdrapa, o Gnaevadarskald, entre outros, porém, as versões mais conhecidas se encontram no poema Hymiskvida (A balada de Hymr), presente na Edda Poética, e em um dos capítulos do Gylfaginning na Edda em Prosa.
Nessas duas narrativas, as quais possuem algumas semelhanças, é contado que o deus Thor em certa ocasião, matou um touro, cortou sua cabeça e usou-a como isca. Ele viajou de barco até o alto-mar acompanhado do gigante Hymir, ali lançou a cabeça do touro e aguardou a gigantesca serpente morder a isca, iniciando uma luta entre pescador e presa. No poema Hymiskvida (est. 22-24) e na Edda em Prosa (cap. 47 ou 48 do Gylfaginning), é dito que Hymir ficou aterrorizado com o combate entre Thor e Jormungand, pois o mar ficou revolto e as montanhas tremiam.
No poema é dito que a serpente acabou escapando, porém, na Edda em Prosa informa que temendo por sua vida, Hymir pegou uma faca de pesca e cortou a linha, fazendo a serpente escapar e retornar para as profundezas do oceano. Essas duas versões abrem margem para a condição que durante o Ragnarök (“destino final dos deuses”), Thor e Jormungand retornariam para um segundo embate, dessa vez, uma luta mortal, pois deus e monstro morreriam.
Todavia, em outras versões do mito, como no poema Husdrapa, é dito que Thor conseguiu matar a serpente marinha. Além disso, nessa versão ele não é acompanhado por Hymir. Essas mudanças ocorrem, pois a mitologia nórdica como a mitologia de outros povos, era transmitida oralmente, havendo diferentes versões. Além disso, observa-se que em poemas dos séculos IX e X, Jormungand morria. Por sua vez, nos relatos do século XIII, como o Hymiskvida e a Edda em Prosa, a serpente sobrevive a pescaria, e volta a confrontar o deus.
O mito da pescaria de Thor para além de ser um dos confrontos mais famosos do deus nórdico, também possui uma série de significados simbólicos, os quais já foram estudados por distintos autores, abordando o simbolismo em diferentes interpretações. Aos interessados, confiram o meu artigo listado abaixo, no qual abordei alguns desses simbolismos.
Referências
LANGER, Johnni. Serpente do Mundo. In: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de mitologia nórdica: símbolos, mitos e ritos. São Paulo: Hedra, 2015, p. 454-459.
OLIVEIRA, Leandro Vilar. OLIVEIRA, Angela Albuquerque de. O simbolismo do lobo e da serpente no Ragnarök. Diversidade Religiosa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 216-240, 2017.
SIMEK, Rudolf. Dictionary of Norther Mythology. Translated by Angela Hill. Woodbrige: D. S. Brewyer, 2007.