Os navios-prisão da Inglaterra

A prática de usar embarcações para se aprisionar detentos é algo antiga, embora nunca foi regular. No entanto, na Idade Moderna os…

A prática de usar embarcações para se aprisionar detentos é algo antiga, embora nunca foi regular. No entanto, na Idade Moderna os europeus, especialmente os ingleses, desenvolveram a prática regular de utilizar navios como cadeias flutuantes, criando um sistema penitenciário para isso.

Foi durante o final do século XVIII que os ingleses acentuaram o uso de navios-prisão, chamados de prison-hulk. A palavra hulk na época era usada na Marinha Real para se referir a embarcações defeituosas e incapazes de navegar. E para não se desperdiçá-las, o governo sugeriu torná-las em prisões flutuantes. Tais embarcações passavam em alguns casos por reformas, construindo-se celas nos porões ou removendo-se os mastros para que ele não pudesse ser sequestrado e os presos pudessem escapar com o navio.

A prática se iniciou a partir de 1776 por ordem do rei George III (r. 1760-1820), o qual autorizou o uso de navios para servirem de prisões temporárias para deter os rebeldes oriundos da Revolução Americana (1775-1783). Como era arriscado manter os prisioneiros nos Estados Unidos, optou-se em aprisioná-los em navios. Estima-se que mais de 11 mil prisioneiros morreram nos navios-prisão do século XVIII devido a desnutrição, doenças e maus-tratos. Pois tais navios acabavam ficando superlotados (contendo 300, 400, 500 ou mais detentos), além de não haver comida regular, água limpa, higiene, além da proliferação de doenças como sarampo, tifo, disenteria, tuberculose etc.

Entretanto, para além do uso para fins de deter prisioneiros de guerra, os navios-prisão acabaram sendo usados também para conter prisioneiros comuns. Em decorrência ao crescimento exorbitante da população carcerária, devido a problemas com fome, desemprego, péssimas condições de trabalho, êxodo rural, violência urbana, imigração irregular, falta de políticas assistencialistas etc.

A maioria dessa população marginalizada que acabava sendo presa, era formada por jovens entre seus 13 e 25 anos, os quais buscavam empregos nos portos, fábricas, minas, ou partiam para a pirataria ou seguiam para serem colonos ou empregados nas colônias. Todavia, devido a alta quantidade de prisioneiros, faltava espaço nas cadeias inglesas, optando-se em se utilizar navios.

A prática dos navios-prisão manteve-se até meados do XIX, inclusive se espalhando para a Inglaterra, Escócia, Austrália e os Estados Unidos. No caso inglês, os portos de Woolwich, Portsmouth, Chatham, Upnor, Deptford, Devenport, Plymounth, estavam entre os principais a abrigar tais prisões flutuantes, por terem espaço para isso, grande quantidade de navios que eram adaptados para servirem de presídio. Vale mencionar que em alguns casos, os prisioneiros desses navios também realizavam trabalho forçado nos portos, como parte de sua pena.

O uso de navios-prisão continuou regularmente até final da década de 1860, mas foi mantido esporadicamente pelos ingleses durante o século XX, especialmente no contexto das guerras mundiais. Entretanto, outros países adotaram tal prática, como o caso do Brasil, o qual no XIX chegou a fazer uso de alguns poucos navios-prisão. Os alemães durante a Segunda Guerra também adaptaram navios para manter prisioneiros.

Referências:

BATESON, Charles. The Convict Ships, 1787-1868. Sydney: Library Australia History, 1974.

CAMPBELL, Charles F. The Intolerable Hulks: British Shipboard Confinement (1776–1857). Tucson: Fenestar Books, 2001.

Leandro Vilar
Leandro Vilar

Sou historiador, professor, escritor, poeta e blogueiro. Membro do Museu Virtual Marítimo EXEA, membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE).

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