William Adams, o marinheiro samurai

Nos idos do século XVII um marinheiro inglês foi um dos poucos estrangeiros que receberam o direito e a honra de se tornar um samurai….

Nos idos do século XVII um marinheiro inglês foi um dos poucos estrangeiros que receberam o direito e a honra de se tornar um samurai. William Adams viveu vinte anos no Japão, dedicando-se ao comércio marítimo, a política, a diplomacia e vivendo como um samurai, graças a ter conquistado a simpatia e a confiança do xogum Ieyasu Tokugawa, um dos mais poderosos xoguns da história.

William Adams advinha de uma família de condições financeiras razoáveis, tendo nascido em Gillingham, no sudeste da Inglaterra, em 24 de setembro de 1564, mas sua vida mudou drasticamente ainda cedo, quando seu pai faleceu quando ele tinha 12 anos, forçando Adams a buscar emprego. Graças a alguns contatos, Adams tornou-se aprendiz de Nicholas Diggins, dono de um estaleiro em Londres. Ali, o jovem garoto aprendeu sobre construção naval e os ofícios portuários, já que posteriormente se tornou grumete (aprendiz de marinheiro).

Adulto, William Adams ingressou na Marinha Real, participando da batalha contra a Armada Invencível do rei Felipe II de Espanha e Portugal, ocorrida em 1588, vexatório conflito para os espanhóis que foram derrotados pelos ingleses, sendo uma das piores derrotas navais da história. Após sua participação na guerra, Adams ingressou como piloto na Barbary Company (1585-1597), a qual fazia comércio com o Marrocos e outros territórios africanos.

Adams passou anos atuando como piloto de navios mercantes, e graças a sua experiência ele em 1598 conseguiu contrato para pilotar um dos navios de uma frota mercante holandesa, a qual viajaria às Índias. No entanto, ao invés de se seguir pela habitual rota portuguesa que circundava o continente africano, os holandeses optaram em seguir a rota espanhola feita por Fernão de Magalhães, em 1519, a qual descia pela América do Sul, atravessava o Estreito de Magalhães e cruzava o Oceano Pacífico rumo à Ilha das Especiarias (atuais Ilhas Molucas na Indonésia).

O trajeto era muito mais longo e difícil, condição essa que alguns navios naufragaram e outros abandonaram a expedição. Problemas de localização, ventos contrários, tempestades e escassez de alimentos, levou a frota a se dissipar e passar da Indonésia e subir rumo as Filipinas. Ali a situação piorou havendo deserções. Todavia, os comandantes da expedição sabendo que o Japão não estava tão longe dali, decidiram esticar a viagem para lá, para conhecer aquele distante país que era frequentado pelos europeus desde a década de 1550, quando os portugueses começaram a enviar missionários e mercadores ao país. Era o ano de 1600 quando William Adams chegou ao império do sol nascente.

Dos cinco navios saídos de Texel, na Holanda, em 1598, apenas o Liefde chegou ao Japão em 1600, aportando na costa do feudo do Bungo (atual Usuki), conhecido por ser um local bem receptivo aos europeus. No entanto, na época em que a comitiva holandesa chegou ao Japão, o país vivenciava o término de um longo conflito de guerras feudais iniciado em 1467, o qual se estendeu por mais de um século. O mais poderoso daimiô (senhor feudal) do momento era Ieyasu Tokugawa (1543-1616), o qual concluiria o processo de reunificação e pacificação da nação iniciado por Nobunaga Oda (1534-1582) e desenvolvido por Hideyoshi Toyotomi (1537-1598).

A tripulação do Liefde por não ter autorização para aportar no país, foi considerada como sendo piratas, com isso, ela foi enviada para uma prisão no Castelo de Osaka, e tendo sua carga confiscada. Ali, Ieyasu Tokugawa se interessou pelos holandeses e quis conhece-los, pois apenas os portugueses costumavam frequentar o país, as vezes alguns missionários franceses e italianos.

Não se sabe ao certo como a relação de William Adams e Ieyasu Tokugawa se desenvolveu, mas em algumas poucas cartas escritas pelo marinheiro, ele disse que o daimiô era homem interessado em aprender sobre o mundo, as outras nações e povos, tendo ficado fascinado com o conhecimento geográfico, cartográfico e náutico de Adams. Ao saber que o marinheiro entendia sobre a construção de navios, ele concedeu um emprego ao inglês.

Adams passou os anos seguintes trabalhando no estaleiro do daimiô, desenhando plantas de navios e orientando na construção das embarcações. O marinheiro também ensinou alguns conhecimentos náuticos aos marinheiros japoneses, os quais usavam outros métodos, além de desconhecerem como operar navios de modelo europeu. Todavia, Adams teve um grande papel para desenvolver acordos comerciais entre o Japão, a Inglaterra e a Holanda, atuando como comissário para assuntos mercantes. Graças ao trabalho de Adams e outros homens, a Companhia Holandesa das Índias Orientais e a Companhia Inglesa das Índias Orientais, conseguiram estabelecer negócio com os japoneses.

William cogitou voltar para seu país, mas Tokugawa o proibiu e depois quando pôde fazê-lo, já estava habituado a nova vida. No ano de 1613, Ieyasu Tokugawa governava o Japão como xogum, sendo a maior autoridade político-militar do país, e em retribuição aos anos de serviços prestados por William Adams, o xogum o tornou samurai. Uma honraria concedida a poucos estrangeiros.

É preciso salientar que os samurais não foram apenas guerreiros de elite, mas uma classe social com privilégios e deveres, a qual nos xogunatos (governo militar de um xogum) passaram a exercer atividades militares e burocráticas. Os samurais formavam uma aristocracia militar com direito a propriedades, servos e assumir cargos públicos na administração do xogunato. No caso de William Adams ele ao se tornar samurai ganhou um pequeno feudo em Hemi (atualmente parte do município de Yokosuka), recebendo uma casa, fazendas e servos.

Ao tornar-se samurai, Adams adotou o nome simbólico de Miura Anjin (piloto de Miura), em referência a região em que ele trabalhava, embora que algumas fontes sugerem que ele fosse referido também como o “samurai de olhos azuis”. Anjin casou-se com Oiyuki, filha de um samurai, e teve dois filhos. Nos anos seguintes ele representou o xogum em importantes expedições mercantes pelo Extremo Oriente, indo ao Reino de Siam (atual Tailândia) e o Reino de Champa (atual Vietnã).

William Adams, o samurai Miura Anjin, faleceu aos 55 anos em 16 de maio de 1620, em Hirado, ao norte de Nagasaki. Ele deixou esposa e filhos no Japão e Inglaterra, seu feudo em Hemi e uma casa em Tóquio. Adams recebeu honrarias na época por seus vinte anos de serviços prestados como marinheiro, mercador, interprete e embaixador ao xogunato. Seu filho japonês continuou como samurai e mercador, adotando o nome de Miura Anjin também, embora se desconheça como foi sua vida.

No Japão, Wiliam Adams recebeu algumas homenagens como uma estela funerária no cemitério de Hirado, um monumento em Tóquio, na localidade de sua casa chamada de Anjin-cho, seu nome também foi dado a ruas, praças e estações de trem e balsa. A cidade de Ito celebra o Festival Anjin, em 10 de agosto, com celebrações musicais, competições de tambor, lançamento de barcos, apresentação de fogos de artifício etc.

A história de William Adams foi citada por cronistas e historiadores do XVII e XVIII, e até inspirou obras de ficção como o livro Shogun (1975), o seriado Shogun (1980) baseado no livro homônimo, além de virar tema de uma peça da Broadway, e de romances e histórias em quadrinhos. E mais recentemente o jogo Nioh (2017) trouxe o próprio marinheiro samurai para enfrentar monstros numa narrativa de fantasia.

Referências

CORR, William. Adams the Pilot: The Life and Times of Captain William Adams: 1564–1620. London: Curzon Press, 1995.

MILTON, Gilles. Samurai William: The Adventurer Who Unlocked Japan. London: Hodd & Stoughton, 2003.

Leandro Vilar
Leandro Vilar

Sou historiador, professor, escritor, poeta e blogueiro. Membro do Museu Virtual Marítimo EXEA, membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE).

Artigos: 54
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