Corto Maltese: o marinheiro aventureiro

Um dos personagens clássicos da literatura de quadrinhos europeia é o marinheiro aventureiro Corto Maltese, criado pelo quadrinista italiano Hugo Pratt (1925-1997), o qual viveu a infância e a juventude nos arredores de Veneza e depois na Etiópia, pois seu pai era policial colonial.

Um dos personagens clássicos da literatura de quadrinhos europeia é o marinheiro aventureiro Corto Maltese, criado pelo quadrinista italiano Hugo Pratt (1925-1997), o qual viveu a infância e a juventude nos arredores de Veneza e depois na Etiópia, pois seu pai era policial colonial. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) seu pai faleceu e nessa época Pratt já estava trabalhando em algumas histórias. Com o término da guerra ele recebeu um convite promissor para ir trabalhar na Argentina, para onde mudou-se em 1949. Na época que viveu na Argentina, Hugo Pratt escreveu vários quadrinhos, além de lecionar desenho. Ele também viajou algumas vezes ao Brasil.

Pratt morou alguns meses em Londres entre 1959 e 1960, tentando ganhar visto para ir morar nos Estados Unidos, mas não conseguindo isso, retornou a Argentina. Somente em 1962 voltou a Itália, onde teve dificuldades para se manter no ramo de quadrinhos até que em 1967 publicou uma história original chamada A Balada do Mar Salgado (Una ballata del mare salato), na revista Sgt. Kirk, a qual se tornou um novo sucesso. Na década seguinte viveu alguns anos na França.

A Balada do Mar Salgado apresentou um marinheiro de trinta e poucos anos, de origem maltesa, filho de um marinheiro inglês com uma cigana espanhola, o qual ainda cedo tornou-se grumete (aprendiz de marinheiro), tendo viajado em navios pela África e Ásia. O nome real desse marinheiro é desconhecido, mas ele se chamava de Corto Maltese, um pseudônimo oriundo do linguajar dos marinheiros de Malta.

Pratt se inspirou em histórias clássicas vistas em livros de Joseph Conrad (autor de Coração das Trevas), Herman Melville (autor de Moby Dick), Alexandre Dumas Pai (autor de Os Três Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo), James Cooper (autor de O Último Moicano), entre outros. Além disso, o fato de ele ter vivido em diferentes países, também contribuiu para algumas das aventuras de Corto Maltese, como suas passagens por Veneza, Brasil, Argentina, Caribe e Etiópia.

Corto Maltese inaugurou uma longeva série de histórias publicadas por diferentes editoras italianas e francesas. Ao todo Hugo Pratt escreveu e desenhou 29 aventuras em preto e branco do marinheiro maltês, o qual visitou vários países. Ao ser traduzido, várias dessas histórias foram reunidas em álbuns, totalizando 12 deles, os quais foram vendidos em preto e branco ou coloridos. Inclusive os álbuns ganharam novos títulos em alguns países.

Pratt concebeu Corto Maltese como um herói diferente, fugindo do padrão americano dos super-heróis. Corto é um personagem peculiar, pois apresenta características mais realistas e ambíguas. Ele pode ser altruísta e justo, mas também é interesseiro, ambicioso, sonso, cínico e até mesmo malandro e sarcástico algumas vezes. Corto inclusive mantém amizades polêmicas com alguns criminosos, como o pirata russo Rasputin. Essas características o tornam hoje em dia mais próximo da ideia de um anti-herói. Embora a quem o considere apenas um aventureiro atrás de riquezas e aventuras, não um herói propriamente.

A maior parte das aventuras de Corto Maltese ocorrem entre 1904 e 1925, o que marca o primeiro quartel do século XX, uma época ainda de intensas mudanças, pois era um período em que o Imperialismo e o Neocolonialismo vigoravam, a Belle Époque (1870-1914), a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) ocorreu, o Fascismo (1919-1945) surgiu, a industrialização se espalhava para outros países, movimentos trabalhistas e anticoloniais, expedições científicas, esoterismo, o Orientalismo etc. Essas características são vistas ao longo das aventuras do personagem.

Condição essa que em 1894, ainda como jovem grumete, Corto Maltese embarcou num navio com destino a Austrália – então colônia britânica. Em 1900 o personagem já com 13 anos de idade, apareceu na China, durante o Levante dos Boxers (1899-1901). Corto viveu na China nos anos seguintes, chegando a ir ao Japão também, até que em 1904 conheceu o pirata e mercenário russo Rasputin. Os dois formaram uma amizade incomum. Em 1905, Corto e Rasputin se encontravam na Argentina, no ano seguinte, Corto seguiu para a Itália. Esses aspectos da juventude do personagem são encontrados na revista A Juventude (1981-1982).

Corto passou a trabalhar para diferentes companhias mediterrânicas e atlânticas até que foi parar na Austrália, onde reencontrou Rasputin em meio a um problema diplomático entre britânicos e alemães às vésperas das Primeira Guerra Mundial em 1914, história narrada em A Balada do Mar Salgado, a primeira revista publicada por Pratt. Depois desse problema resolvido, Corto Maltese retornou para o Caribe, passando os dois anos seguintes em aventuras pela América Central e do Sul, mantendo-se afastado da guerra na Europa, nesse período ele visitou o Brasil, algo narrado na revista Sob o Signo de Capricórnio (1970).

No ano de 1917 ele seguiu para a Irlanda, Inglaterra e Alemanha, com o término da guerra ele seguiu para o Oriente Médio e voltou para a China, passando pela Sibéria, uma das memoráveis viagens dele, narrada em Corto Maltese na Sibéria (1974-1975). Somente após 1921 ele voltou para a Europa, indo confrontar maçons venezianos, que ironicamente foi uma homenagem de Pratt, pois ele se tornou maçom em Veneza. Além de se envolver com a maçonaria, Corto também interage com esotéricos para encontrar uma esmeralda tida como mágica. Essa história é narrada em Fábula de Veneza (1977). Depois disso, Corto volta a Ásia para ir até Samarcanda (atualmente no Uzbequistão), atrás de um tesouro perdido, narrativa encontrada na revista A Casa Dourada de Samarcanda (1980).

Por conta de serem histórias voltadas para adultos, Pratt além de abordar temas inapropriados para crianças, também aproveitou para apresentar informações históricas, geográficas, sociais e culturais. Basicamente em todas as revistas que escreveu, pode-se encontrar algum mapa mostrando a localidade em que a narrativa se passa, em alguns casos, temos notas e até uma introdução explicando aspectos históricos daquele período, ou alguma informação relevante sobre a cultura e a sociedade locais.

Outra curiosidade sobre seu trabalho diz respeito a presença de personagens históricos que interagiram com Corto Maltese. Entre eles temos o escritor e jornalista Jack London (1876-1916), que Corto conheceu na China; em Trieste na Itália, ele conheceu o escritor James Joyce (1882-1941); encontrou os pistoleiros americanos Butch Cassidy e Sundance Kid, que haviam se escondido na Argentina, escapando da polícia. O personagem também se depara com outros escritores, jornalistas, políticos e aventureiros.

Apesar de Hugo Pratt ter procurado conceder elementos históricos fidedignos a jornada de Corto Maltese, não significa que elementos lendários e fictícios estiveram de fora. Condição essa que em alguns momentos Corto vai atrás de tesouros, como tentar localizar as lendárias Minas do Rei Salomão, encontrar Eldorado, procurar pelo tesouro perdido de Alexandre, o Grande e até as ruínas da mítica Atlântida. Essas histórias revelam as influências literárias de Pratt, mas também o contexto histórico do período, em que homens se aventuravam atrás de supostos tesouros antigos, que normalmente estariam escondidos pela América do Sul, África e Ásia.

Com a morte de Hugo Pratt em 1995, as histórias de Corto Maltese se encerraram. Somente vinte anos depois a editora detentora dos direitos autorais decidiu permitir que outros autores pudessem escrever novas narrativas. Os escolhidos foram os espanhóis Juan Díaz Canales e Rubén Pellejero, que desde então lançaram quatro novas revistas. Mantendo vivo o legado desse marinheiro maltês.

Mas para além dos quadrinhos, Corto Maltese ganhou adaptações para livros, peças teatrais e desenhos animados. O personagem também inspirou músicas e outras aventuras. Na DC Comics, o quadrinista Frank Miller criou a ilha Corto Maltese, que aparece em algumas histórias do Batman, do Arqueiro Verde e da Liga da Justiça. O personagem também foi homenageado com estátuas, nome de ruas, selos, moedas comemorativas etc.

Referências:

BRUNORO, Gianni. Corto come un romanzo nuovo. Illazioni su Corto Maltese ultimo eroe romântico. 2ª ed. Milano, Lizard, 2008.

Site oficial: https://cortomaltese.com/

Revistas publicadas no Brasil: https://www.archivespratt.com/corto_maltese_BR-PT_hugo_pratt.htm.

Leandro Vilar
Leandro Vilar

Sou historiador, professor, escritor, poeta e blogueiro. Membro do Museu Virtual Marítimo EXEA, membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE).

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