Em celebração aos 200 anos da Independência do Brasil redigi esse pequeno texto comentando a respeito da participação naval na guerra de independência, citando alguns acontecimentos. Sublinha-se que de início o Brasil não dispunha de uma Marinha própria, pois como ele fazia parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, a maior parte dos militares e navios eram portugueses, mas quando ocorreu a ruptura política entre os dois reinos em 1821, tendo Dom Pedro se recusado a acatar a ordem das Cortes de Lisboa para viajar a Portugal, o então príncipe-regente declarou apoio ao movimento de independência.
Assim, em 1822, meses antes do 7 de setembro, a guerra se iniciou na Bahia em 19 de fevereiro com a rebelião do general português Inácio Luís Madeira de Melo (1775-1833), que como outros portugueses, foi contra a independência. Num primeiro momento, os portugueses tiveram a vantagem por dispuserem de mais soldados, armas, munição e navios, o que prejudicou as campanhas brasileiras na Bahia, a qual contou com a liderança do general francês Pierre Labatut (1776-1849).
Mas enquanto a maioria dos conflitos da guerra de independência seguiam por terra, as batalhas navais ou conflitos híbridos – ocorridos em terra e água –, somente começaram propriamente com as tentativas da frota portuguesa de se apossar da ilha de Itaparica, importante ponto estratégico na entrada da Baía de Todos os Santos, dispondo de uma vila e dois pequenos fortes. Os navios portugueses trocaram disparos com os fortes e os redutos em Itaparica nos meses de agosto, setembro e outubro de 1822. Apesar dos vários ataques, as defesas de Itaparica, as quais incluíram voluntários como mulheres e escravizados, que aderiram à frente de batalha, pegando em armas e montando guarda nas trincheiras e redutos para repelir os portugueses, conseguiram resistir a esses vários conflitos.
Com as dificuldades de se tomar a ilha de Itaparica, a marinha portuguesa mudou de alvo, enviando alguns navios para bombardear a ilha da Maré, a qual fica próxima a Salvador, e atualmente é considerada bairro da cidade. Três ataques ocorreram na ilha em 15, 16 e 22 de outubro, mas as tentativas de intimidação em forçar o recuo das defesas brasileiras, falharam.
O próximo conflito envolvendo embarcações foi uma batalha naval ocorrida em 8 de dezembro de 1822, que aconteceu na costa baiana, dois meses após a proclamação da independência brasileira. Na ocasião, o segundo-tenente João Francisco de Oliveira Botas capitaneava a canhoneira Pedro I na escolta de 18 barcos carregados com suprimentos, os quais seriam levados até o rio Cotegipe, ao lado da ilha da Maré, para serem entregues as tropas sitiantes da capital. Porém, no caminho, dois brigues, uma escuna e outras canhoneiras portuguesas abriram fogo contra o comboio, estando em menor número, Oliveira Botas conseguiu comandar o Pedro I garantindo a proteção dos 18 barcos que chegaram ao seu destino.
No dia 23 de dezembro de 1822, o segundo-tenente Oliveira Botas em decisão ousada, decidiu confrontar a esquadra portuguesa na Baía de Todos os Santos, ele atraiu os navios de guerra até o reduto em Amoreiras, na ilha de Itaparica, de onde disparos de canhão foram feitos, mas a esquadra portuguesa optou em não iniciar conflito e recuou. Todavia, duas semanas depois os portugueses iniciaram uma nova ação contra a ilha, na chamada Batalha de Itaparica, ocorrida em 7 de janeiro de 1823.
A Batalha de Itaparica iniciou-se pela manhã e findou-se quase à noite. Os portugueses bombardearam algumas localidades da ilha e tentaram tomá-la desembarcando tropas, mas defesas nos fortes, trincheiras e redutos conseguiram repelir os desembarques e manter os navios afastados. O conflito terminou com a vitória brasileira, levando a esquadra portuguesa a recuar.
Dias depois ocorreu uma batalha naval em que nove pequenos navios portugueses bloquearam a foz do rio Paraguaçu na Bahia, para interromper o envio de suprimentos para as tropas brasileiras. O agora nomeado primeiro-tenente Oliveira Botas comandando o Pedro I, seguindo com mais dois navios o Dona Leopoldina e o Januária, iniciaram em 23 de janeiro ataque para abrir o bloqueio português. Devido a fortes ventos e chuva, a batalha foi interrompida e os portugueses decidiram não se arriscar em manter aquele bloqueio.
Em 30 de abril de 1823 novo conflito ocorreu pelas águas da Baía de Todos os Santos, palco das principais operações navais durante a guerra de independência do Brasil.
“O primeiro-tenente Oliveira Botas, na canhoneira 25 de Junho, acompanhado pelas canhoneiras Pedro I (segundo-tenente José Antonio Gonçalves), Leopoldina (segundo-tenente André Avelino Pereira) e Vila de S. Francisco, protege a entrada de quatro barcos no Cotegipe, conduzindo reforços das vilas de Boipeba e Valença. Na volta, combate das 13h às 20h, com uma escuna e oito canhoneiras portuguesas. Destas, duas foram metidas a pique; os outros navios inimigos retiraram-se, e Oliveira Botas pôde regressar para Itaparica”. (GARCIA, 2012, p. 280).
No entanto, poucos dias depois um novo conflito naval aconteceu, dessa vez, prenunciando a chegada de reforços brasileiros. Ainda em abril, chegou ao Rio de Janeiro, o almirante e mercenário inglês Thomas Cochrane (1775-1860), veterano de guerra, que estava a serviço no Chile, tendo sido convocado para ajudar o Brasil na conquista de sua independência. Dom Pedro I o nomeou almirante da Marinha brasileira e o enviou para a guerra na Bahia.
No dia 4 de maio a esquadra liderada por Lorde Cochrane, formada por sete navios, confrontou a esquadra portuguesa que possuía treze navios. Devido a alguns fatores, Cochrane optou em retirar-se para evitar perdas. Cochrane seguiu depois para fornecer apoio ao exército sitiante de Salvador. No entanto, em 22 de maio ocorreu novo conflito naval em Olaria, liderado pelo primeiro-tenente Oliveira Botas, a comando de três navios de guerra contra sete navios portugueses. A batalha naval resultou em êxito para o lado brasileiro, em que Oliveira Botas conseguiu afundar um dos navios portugueses, forçando a esquadra a recuar. Em retribuição, Cochrane nomeou Oliveira Botas com o título de capitão-tenente.
Todavia, no mês de junho os conflitos na guerra de independência se acirraram em terra, culminando com a vitória brasileira em 2 de julho de 1823, em que o general Madeira de Melo rendeu-se, pondo fim a guerra na Bahia. Foi concedido o direito ao general e seus homens deixarem o Brasil, embora que a fragata Niterói e outros navios foram enviados para acompanhá-los, inclusive atacando algumas das embarcações que saíram do rumo. Apesar de Salvador ter sido libertada do jugo lusitano, outras províncias estavam em crise como o Maranhão, Piauí e Pará. Dom Pedro I enviou Lorde Cochrane para o Maranhão, no intuito de pacificar aquela província.
Cochrane chegou em 27 de julho a São Luís, capital do Maranhão, abordo do Pedro I. Ali ele capturou o brigue português D. Miguel, ordenou o bloqueio do porto da cidade e convidou a junta provisória a reconhecer a independência brasileira. Cochrane optou por uma via diplomática, embora não desconsiderasse disparar sobre a cidade para fins de intimidação. No dia 28 ele desembarcou 200 soldados para montar guarda na cidade, no dia seguinte, a junta provisória declarou rendição e reconheceu o governo imperial. Entretanto, portugueses ainda continuaram a resistir na Vila de Caxias, somente se rendendo no dia 31. Com a vitória rápida e fácil, Dom Pedro I concedeu a Thomas Cochrane o título de Marquês do Maranhão.
Mas se a vitória no Maranhão foi simples, a de Montevidéu foi mais demorada e custosa. Naquela época, o Uruguai não existia como nação independente, mas era a província da Cisplatina, pertencendo ao império brasileiro. E, assim, como em outras partes do império, militares portugueses recusavam a reconhecer a independência.
O general português Álvaro da Costa de Sousa de Macedo (1789-1835) rebelou-se contra o governo brasileiro e tomou o controle de Montevidéu ainda em fins de janeiro de 1823, em resposta, o general Carlos Frederico Lecor (1764-1836) considerou Costa traidor e iniciou guerra contra ele. Destaca-se que Lecor apesar de ser português, decidiu apoiar a independência brasileira. No entanto, o impasse perdurou por meses.
“No dia 11 de outubro, chegou da Colônia do Sacramento uma divisão naval brasileira, que deu começo ao bloqueio do porto. Era comandada pelo capitão de mar e guerra Pedro Antônio Nunes, depois chefe de divisão, e compunha-se dos navios seguintes: corveta Liberal, navio chefe (22 bocas de fogo), do comandante Antônio Salema Garção; brigues Cacique (18, do comandante Antônio Joaquim do Couto), Guarani (16, do comandante James Nicholl) e Real Pedro (14, do comandante Francisco Bibiano de Castro); escunas Leopoldina (12, do comandante Francisco da Silva Lobão) e Seis de Fevereiro (uma peça, do comandante Francisco de Paula Osório). Total de seis navios, montando 83 peças e caronadas”. (GARCIA, 2012, p. 595).
Dez dias depois ao início do bloqueio naval, os portugueses tentaram rompê-lo, enviando quatro navios chamados Conde dos Arcos, Restauradora, Fausto e Maria Teresa. Por estar em menor número, a pequena esquadra teve dificuldades para sustentar a batalha naval e com a mudança do vento, decidiram debandar, todavia, o Fausto foi severamente avariado, e acabou mudando de direção, indo encalhar numa praia, a fim de que não afundasse. Os demais navios foram perseguidos, mas a esquadra brasileira deixou eles partirem. Com a derrota no dia 21 de outubro, o general Costa enviou ao general Lecor uma proposta de negociação. A reunião ocorreu em 18 de novembro, em que Álvaro da Costa decidiu pela rendição, em troca de poder retornar para seu país com seu exército. Lecor aceitou. Apesar disso, a cidade somente foi desocupada em março de 1824. O bloqueio naval havia dado certo.
Por fim, uma última operação naval que citarei nesse contexto, ocorreu em 1824, durante a crise da Confederação do Equador, movimento político de caráter separatista e republicano, iniciado em Pernambuco, ganhando alguns apoiadores na Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. Embora outras províncias demonstraram apoio, entretanto, o foco do movimento estava sediado em Recife.
A chamada Confederação do Equador contou com participantes que tinham atuado na Insurreição Pernambucana de 1817, e agora voltavam a se rebelar, dessa vez, desgostosos com a política de D. Pedro I, em que reivindicavam a independência dos territórios confederados e a proclamação de uma república. Sabendo disso, o imperador enviou os navios Niterói e Piranga, capitaneados por John Taylor para fazer valer a lealdade dos confederados, todavia, eles conseguiram apoio militar forte. Em 2 de julho, o governador Manuel de Carvalho Pais de Andrade, proclamou a separação de Pernambuco do Império do Brasil. A ideia era convencer que as províncias vizinhas fizessem o mesmo.
Em resposta a ousadia, D. Pedro I enviou Lorde Cochrane com três navios de guerra e dois navios de transporte, levando 1.200 soldados. Os dois cargueiros aportaram em Maceió, desembarcando o exército liderado por Francisco de Lima e Silva, que se uniu ao ex-governador de Pernambuco Pais Barreto e voluntários que marcharam até Recife. Já Cochrane seguiu com os três navios para a capital pernambucana, tentando bloquear o porto e exigindo que Manuel de Carvalho se rendesse, mas esse se negou. Em setembro o exército terrestre chegou ao Recife iniciando sua ocupação após algumas pequenas batalhas pela cidade, incluindo disparos dos navios. Manuel de Carvalho e outros partidários escaparam. A insurreição dos confederados foi derrotada. 31 envolvidos em diferentes províncias, foram executados por crime de lesa-pátria nos meses seguintes.
Dessa forma, com o apoio ainda de uma recente Marinha, o Brasil conseguiu encerrar a guerra de independência e outras revoltas, permitindo a consolidação da independência brasileira. E nas décadas seguintes a marinha imperial se fortaleceu.
Referências
DONATO, Hernani. Dicionário das batalhas brasileiras. São Paulo: IBRASA, 1987.
GARCIA, Rodolfo (org.). Obras do Barão do Rio Branco VI: Efemérides brasileiras. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012.
NOVAIS, Fernando A; MOTA, Carlos Guilherme. A independência política do Brasil. São Paulo: Haucitec, 1996.