A costa ocidental africana possui uma vasta extensão, de onde inúmeros povos durante a História da humanidade, se estabeleceram, constituindo comunidades, vilas, cidades, criando suas próprias particularidades, redes e obviamente, ousando adentrar as turbulentas águas do Atlântico. Contudo, há um lugar a se destacar em meio a este vasto litoral, que se estende dos atuais Marrocos à África do Sul: trata-se de Dacar, atual capital do Senegal.
Dacar é a capital mais ocidental do continente africano, sendo o ponto mais próximo das Américas e inevitavelmente também, da Europa. Sua posição portanto, é estratégica, tendo sido por séculos, alvo da disputa entre várias nações. Na História do Brasil, as relações estabelecidas com o outro lado do Atlântico, em especial ao continente africano, trazem quase sempre consigo a inevitável lembrança dos séculos em que imperou o tráfico transatlântico de escravizados.
Geralmente, nos recordamos das ex. colônias portuguesas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique (Índico). No entanto, há de se recordar das posteriores relações estabelecidas entre outras localidades africanas e o Brasil, sendo este o caso de Dacar. A partir do início do século 20, esta capital africana passou a ser muito frequentada não apenas pelo seu estratégico porto, mas agora por aviões, que começavam a atravessar o oceano. Dacar passou a ser rota obrigatória das companhias aéreas que operavam entre a Europa e as Américas.
Mas antes de chegarmos aí, é necessário que se explique como Dacar tornou-se tão importante e é aí que adentramos de vez em sua fascinante história, construída não sem muita luta, sofrimento, coragem e resistência. De antemão, uma explicação é necessária: o nome da cidade vem de dakhar, um nome de origem uolofe (idioma africano) que significa Tamarindo (Árvore frutífera). Também era o nome de uma aldeia costeira que estava localizada ao sul do que é agora o primeiro cais da cidade.
Em relação ao território onde hoje encontra-se o Senegal, este foi ocupado durante séculos por diferentes povos, especialmente nas regiões férteis dos rios casamansa e gâmbia. Ali, estabeleceram-se, em especial dedicados ao pastoril, agricultura e pesca (pois ambos os rios correm para o Atlântico). As fronteiras orientais do antigo Senegal foram, a partir dos anos 500 a 700 D. C de posse de dois reinos: Takrur e o reino de Gana. Neste mesmo período, no Norte da África, a rápida expansão islâmica estava em andamento, e é exatamente nesta época que as redes de comércio através do deserto do Saara se tornaram mais ativas. Os Bérberes (povos norte-africanos convertidos ao Islã) realizavam o comércio com estes reinos, contribuindo assim para o estabelecimento de fortes laços culturais e claro, contribuindo para a expansão (inicialmente pacífica), da religião Islâmica.
Desta época, até os idos dos anos 1300, a região estava constituída por dois reinos: Takrur e Uolofe. A religião islâmica era praticamente dominante em toda a região ocidental africana, sendo o comércio transaariano se intensificado, com o surgimento de novos reinos e cidades. Chegando aos anos de 1600, no século 17, os dois reinos permaneceram inalterados. Contudo, já desde o século 15, mercadores e marujos advindos da Europa começaram a utilizar-se cada vez mais, das rotas de comércio marítimo ao longo da costa ocidental africana. Os primeiros postos comerciais coloniais começam no século 15 quando Cadamostro (um navegador veneziano) chegou ao território (entre 1454 e 1456) em nome do reino de Portugal. O comércio triangular começa então com as Américas. Os holandeses, os franceses e os ingleses também participarão do comércio de escravos. Os Uolofes haviam, como sabemos, realizado contatos históricos por centenas de anos com o Norte da África através do deserto do Saara; e, a partir de meados do século XV, com navegadores europeus tais como os portugueses, holandeses, britânicos e franceses. Foram os navegadores portugueses que, por exemplo, deram seu nome à península Cap Vert (o “Cabo Verde”) ao desembarcar lá em 1445, logo após as chuvas sazonais; e o nome Gorée é um desvio do “Goede” original Reede’ (‘Good Wharf‘), dada por marinheiros holandeses.
O comércio transatlântico de escravos ganha força, com dezenas de milhares de cativos sendo adquiridos todos os anos. Nesta rede de comércio cada vez maior, os reis e mercadores africanos recebiam em troca, metais, tecidos, bebidas e armamentos. Até então, o comércio de escravos continente adentro era feito inteiramente por comerciantes africanos, operando em grandes e bem organizados empreendimentos.
Esta rede transatlântica de comércio feita a partir da África Ocidental como sabemos, provocou uma das maiores tragédias da história da humanidade, com milhões de seres humanos sendo levados à força em condições terríveis para as Américas, em especial para o Brasil. No século 18, a região do atual Senegal estava dividida em três reinos: Futatoro, Khaso e Futajallon. Foi neste período, que os franceses assentaram seu primeiro entreposto comercial naquele território: Saint-Louis. A partir dele, seguiu o crescimento da influência francesa, que mais tarde resultou na conquista e domínio de todo aquele território, consequentemente, extinguindo os outrora prósperos reinos africanos.
No século 19, a região entra de vez nos planos estratégicos franceses. No ano de 1845, foi estabelecido em Gorée (uma pequena ilha) a base naval de operações da frota francesa (Divisão da África Ocidental). Com o estabelecimento deste porto, os franceses demonstraram igual interesse em ocupar também, toda a região litorânea em seu entorno. Assim, enquanto cidade (capital) atlântica, Dacar foi fundada em 1857, durante o 2º Império Francês.
Portanto, a apreensão da península de Dacar marcou a ocupação oficial, seguido pelo estabelecimento do domínio colonial ali. Este período marca também o fim da relativa reciprocidade que tinha caracterizado as relações Franco-Uolofe-Lebus, relações até o momento pacíficas. Com o hastear da bandeira tricolor, os comerciantes franceses e os poucos missionários não esperavam outra coisa que não sinais de sujeição dos chefes locais: pagamento de taxas de pedágio ou dinheiro de proteção. No entanto, a colonização francesa da África Ocidental estava longe de se fazer por completa, diante da fragilidade do Estado colonial de lá, que era subfinanciado e carecia de falta de homens.
Daí para a frente, houve um gradual processo de colonização e conquista, concluído principalmente entre os anos de 1884 e 1885. O Congresso de Berlim, que determinou a partilha da África entre as potências europeias e que procurava regular e legitimar a partição entre elas, praticamente selou a conquista do Senegal pelos franceses. A anexação do reino Uolofe ocorreu em 1886, ao mesmo tempo em que os britânicos tomaram posse do sul do rio Gâmbia e arredores.
Com o aumento da presença colonial francesa na região, o porto de Dacar tornou-se cada vez mais importante, sendo ponto de parada obrigatório para embarcações vindas do oceano Índico, como da própria África Ocidental e Américas. Registros fotográficos feitos no início do século passado entre 1900 e 1920, mostram que o seu porto era bastante movimentado.
Em 1909, Dacar possuía cerca de 25.000 habitantes, e seu porto era o maior do Senegal. Em 1910, um grande mercado foi erguido, e pela primeira vez, viu-se a presença de energia elétrica com finalidade de iluminação pública. Dois anos depois, foi inaugurada a ferrovia.
Notem os diferentes tipos de embarcações: pequenos barcos a vela, pesqueiros, transporte, balsas, e misturados a eles, pequenos e grandes vapores. É notável igualmente, a presença da ferrovia, que ajudava a escoar as matérias-primas exploradas no interior do continente para o porto, que em seguida, iam para a Europa. Toda esta riqueza infelizmente, se fazia com mão-de-obra em sua maioria servil e em regime de semiescravidão. O tratamento dos colonizadores europeus para com os nativos é bem conhecido, fruto das concepções racistas e higienistas de seu tempo.
A cidade e porto de Dacar ainda no inicio do século passado, seriam palco para diferentes eventos históricos, como a I Guerra Mundial, a pandemia da Gripe Espanhola entre outros. Estes temas serão tratados mais adiante.
Referências
https://www.senegal-online.com/
https://www.newworldencyclopedia.org/entry/Dakar
https://www.blackpast.org/global-african-history/dakar-senegal-1857/
BIGON, Liora. French colonial Dakar: The morphogenesis of an African regional capital. In: French colonial Dakar. Manchester University Press, 2016.
BIGON, Liora. A history of urban planning in two West African colonial capitals. Edwin Mellen Press, 2009.