EXPOSIÇÃO VIRTUAL

Quando o mar trabalha

Por ahcravo gorim – António José Cravo   |   Sessão I

Sobre a exposição

Um barco parte da praia, no sentido do mar de fora. Ao longo do caminho vai liberando a rede; há um cardume a ser capturado. A embarcação, originalmente a remo, retorna à praia, onde com a ajuda de uma junta de bois, recolhe a rede e efetua a captura. Xávega é o nome desta tradicional arte de pesca portuguesa, que é traduzida com sensibilidade por António José Cravo através de fotografias e versos.

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Introdução

Por ahcravo gorim - António José Cravo

Dentro das [sessões desta exposição] não vais encontrar “arte fotográfica” nem “arte poética”, mas sim uma vida com muitas vidas, memória de muitas memórias. As palavras nada mais são do que “falas” prováveis das imagens.

As imagens mais antigas são de 1972 e as mais recentes de finais da década de 90. A recolha continuou e, por isso, aqui encontras quase 30 anos de uma vida de 44 anos a fotografar a Torreira.

Durante as semanas em que fui trabalhando [nestas fotografias e versos] conversei com as fotos, tratava-as pelo nome, revivi muito. Dentro das [sessões que agora irás visitar] há, neste momento, 41 amigos que já cá não estão – também falei com eles.

Na recolha das autorizações de publicação das imagens, cerca de uma semana, conversei com os próprios, com os descendentes ou sobreviventes (viúvas ou viúvos). Foram momentos que me fizeram sentir que valeu a pena ter passado tantos anos na Torreira a fotografar o trabalhar no mar.

caminho na areia
não sou daqui
estranho este chão macio
quase não chão

quero ver os meus irmãos
trabalhadores do mar
saber de outras fainas

venho de negro
a minha cor desde que

também eu amo o mar
por isso
até morrer
o venho sempre visitar

o mar imenso confunde-se
com o azul do céu
a areia estende-se a perder de vista
nela se afogam as ondas em murmúrios de sufoco

em terra a arte prepara-se
homens barco redes
tudo espera a nova maré
o novo lanço

é verão
é preciso ganhar o pão

sou só olhos
pernas não sei
palavras não tenho

sou só olhos
à minha frente o mar
o meu pai no barco
o barco no mar
a minha mãe nas redes
as redes em terra
todos no peixe

tudo isto vejo
em tudo me perco e não entendo

amanhã
ali estarei sem o saber agora

começo a aprender
que ser criança aqui
é espuma
que o mar deixa na areia
e secará com o sol e o sal

é este o meu infantário

sou a que fica em terra
à espera dele

a que trabalha desde que as pernas
suportam o corpo
até que o corpo as não sinta

sou a que grita
quando o mar está bravo
o barco sobe na crista da onda
o arrais

bota! bota! bota!

sou a que se faz ouvir no nevoeiro
dizendo que a terra é aqui

que olhar
ninguém o vê
sedutor na areia de verão

boi a vapor
empurrou o barco
puxou-o
começou a alar lentamente as redes
e no final
em correrias loucas
trouxe-as à praia
por entre gritos e aguilhadas

que olhar
também tu não o viste
porque os teus olhos se perderam noutros

são estes os dias
de sol farto que me fazem sorrir
irmãos desta arte
mansos os bois
sem medo acaricio

é verão
estou viva o mar é meu
são minhas areias ondas água

é verão
barcos irão ao mar
haverá peixe na praia
comida em casa

todos os recantos das dunas
me contam histórias
na espuma das ondas
tantos nomes esquecidos

são estes os dias
em que estou viva
é verão

aqui
onde a vida começa
com o nascer do sol
o queimar do sal

aqui
envelhece-se mais cedo

nas mãos sulcos rasgados
pelas cordas
que puxam as redes e os barcos

brincar é escolher sardinha
aguentar a picada do peixe aranha
e não chorar

escamas de peixe
salpicam-me o rosto

aqui
cresce-se depressa
a trabalhar no mar

este rosto vos deixo em testamento
riqueza única amealhada
em vida

sou todos os que foram
fui todos os que serão:
destino com porta virada para o mar

este rosto vos deixo
de ser eu
Pescador da Xávega

este rosto vos deixo
cuidai de o não esquecer

nestes dias de sal
a queimar a pele
seca de tanto sol

sou mais que eu
sou “a mulher”

na areia quente
da praia
camarada da companha
sou

nas fainas de terra
ombreio com todos

mas
serei mais mulher ainda
quando o sol se puser
e vieres ter comigo
falando com voz de pão
sopa um copo
o corpo

conto peixe
separo por tamanhos e espécies
dedos nus

anos tantos
calejadas mãos
atentos olhos

conto peixe
histórias de mar e vento
de barcos e arrais
de redes e juntas
alegrias e frustrações

conto peixe
que de outros contos
feita sou

conto peixe
conto-me

SESSÃO II

Créditos

Exposição Virtual: Quando o mar trabalha

Poemas e fotografias

António José Cravo
Fotógrafo / Portugal

Diagramação

Ticiano Alves
Diretor Geral
Museu Marítimo EXEA

Revisão da Exposição

Leandro Vilar
Coordenador de Exposições
Museu Marítimo EXEA

Rebeca Garcia
Museóloga
Museu Marítimo EXEA

Raphaella Belmont Alves
Diretora Executiva | Revisora ortográfica
Museu Marítimo EXEA

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E-mail

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