Os corsários

Algumas pessoas costumam acreditar que corsário seria sinônimo para pirata, como são as palavras bucaneiro e flibusteiro, no entanto,…

Algumas pessoas costumam acreditar que corsário seria sinônimo para pirata, como são as palavras bucaneiro e flibusteiro, no entanto, apesar dos corsários tivessem algumas semelhanças, teoricamente eles não eram iguais aos piratas. No caso, a pirataria existe desde os tempos antigos, o próprio Júlio César (100-44 a.C) chegou a ser sequestrado por piratas no Mediterrâneo. Embora que os piratas mais famosos da História tenham sido os que viveram entre os séculos XVII e XVIII e atuaram no Caribe, tema abordado por mim, em postagem anterior.

Por sua vez, os corsários foram um ofício historicamente mais recente, tendo surgido em época indefinida na Idade Média, apesar que somente na Idade Moderna, é que o corso se tornou uma prática regular.

A palavra corsário advém do italiano corsaro (comandante de navio) ou do latim cursus (corrida, “perseguir”), o qual consistia num homem que recebia uma carta de marca ou carta de corso, documento que consistia num contrato entre um particular e o governo, para prestar determinados serviços. Observa-se assim, que enquanto os piratas eram criminosos, os corsários eram particulares que prestavam serviços ao Estado, oferecendo seu navio, tripulação e equipamentos.

Cada país possuía suas normas para definir os direitos e deveres de uma carta de corso, todavia, a base desse documento era parecida. De posse desse documento, o corsário passava a ser legalmente associado a marinha do governo que emitiu a carta, recebendo o título de corsário, que lhe concedia o direito de ter livre acesso aos portos do país que o empregava, além de poder acessar portos de nações aliadas; o corsário também de posse de sua carta ganhava status social, que ajudava na hora de recrutar tripulantes e soldados, e até mesmo de ganhar patrocínio para armar navios ou expedições.

O documento também autorizava que os corsários e sua tripulação pudessem abordar e saquear embarcações inimigas, mas sendo vedado atacar embarcações do mesmo país ou de nações aliadas. Os corsários também poderiam realizar ataques a portos inimigos, rotas marítimas, empreender expedições de reconhecimento, caçar piratas, etc.

O interessante desses deveres atribuídos pela carta de corso era a legalidade de cometer assaltos, saques e batalhar, o mesmo que piratas faziam comumente. No entanto, a diferença era que os corsários tinham respaldo legal para isso, fato esse que a carta também concedia tratamento diferenciado nos tribunais marítimos. Um navio pirata que fosse capturado, sua tripulação seria diretamente tratada como criminosa, porém, um navio corsário capturado, recebia o direito de não serem tratados como meros criminosos, podendo recorrer a advogados e a diplomacia. Fato esse que dependendo do contexto, os corsários não eram presos, tendo no caso que pagarem indenizações, devolver o butim ou pagar multa.

Essa regalia concedida aos corsários era em muitos casos tão vantajosa, que piratas chegaram a falsificar cartas de corso para obter tais privilégios. Apesar que nem sempre isso funcionava, pois, toda carta de corso era legalmente registrada, e durante o processo de abordagem de um navio corsário, as autoridades comunicavam o país ao qual ele servia, para confirmar se aquela carta era verdadeira ou não.

Por essa condição a linha que separava corsários de piratas era bem tênue, fato esse que houve piratas que se tornaram corsários para poderem ser protegidos por lei, por outro lado, houve corsários que após terminado o prazo de validade de suas cartas, aderiram a pirataria, pois tinham obtido experiência para isso. Um exemplo disso ocorreu com o capitão Henry Morgan (1635-1688), que atuou como corsário da Inglaterra, mas depois dedicou-se a pirataria no Mar do Caribe, ficando mais famoso como pirata do que corsário.

Países como Inglaterra, França, Holanda, Espanha, Portugal, Itália, Turquia, entre outros, praticaram o corso ao longo de muito tempo, embora os corsários ingleses sejam os mais famosos como Sir Francis Drake (c. 1540-1596), que serviu a rainha Elizabeth I, sendo considerado o mais famoso corsário inglês, participando de batalhas, saqueando navios e comandando expedições. Drake travou vários conflitos com o Império Espanhol, passando a ser odiado pelos mesmos e até mesmo caçado com direito a uma recompensa altíssima na época.

O corsário inglês Thomas Cavendish (1560-1592), realizou ataques no Brasil, passando pelo Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina, no entanto, ficou mais conhecido por sua viagem de circum-navegação pelo mundo, realizada entre 1586-1588.

O corsário holandês Pieter van der Does (1562-1599) comandou uma armada com vários navios e mais de oito mil homens para conquistar colônias espanholas pela África, embora que a missão foi quase um fracasso completo, resultando em muitas baixas e as vitórias conquistadas foram pequenas.

No século XVIII o corsário francês Jean-François Duclerc (?-1711) ficou conhecido por comandar um ataque à cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, como intuito de tomar controle dos estoques de ouro que eram transportados daquele porto para o de Lisboa. O ataque ocorreu em 1710, mas fracassou.

O comerciante Amaro Pargo (1678-1747) tornou-se o mais famoso corsário espanhol, além de ter sido rico graças ao comércio de especiarias, açúcar, escravos, etc. Pargo dedicou-se a combater piratas na região caribenha, mas também confrontou corsários ingleses.

Embora a prática do corso fosse regulamentada por alguns países, não significava que ela fosse bem aceita, fato esse que um navio corsário ao empreender ataque, era contra-atacado, e os defensores detinham direito de abater sua tripulação e afundar o navio. A proteção legal somente valia para o caso de captura deles, isso quando a lei era cumprida, pois Francis Drake se tivesse sido capturado pelos espanhóis, teria sido executado, já que foi declarado inimigo público do império espanhol.

Os corsários seguiram agindo até o século XIX, quando o Tratado de Paris (1856), entre seus acordos propostos, esteve o de pôr fim a prática do corso, a qual passou a ser considerada ilegal, e quem fosse identificado praticando-a, seria tratado como um pirata. Por tal condição, os governos passaram a não emitir mais cartas de corso para não serem incriminados. Apesar que durante as guerras mundiais a prática do corso retornou sob outros aspectos, mas ainda considerada malvista.

Referências

COLÁS, A. Barbary Coast in the expansion of international society: Piracy, privateering, and corsairing as primary institutions. Review of International Studies, v. 42, n. 5, 2016, p. 840–857.

ROCHA NETO, Nelson. Piratas e Corsários na Idade Moderna. Monografia (Graduação em História), Universidade de Tuiuti do Paraná, 2009.

Leandro Vilar
Leandro Vilar

Sou historiador, professor, escritor, poeta e blogueiro. Membro do Museu Virtual Marítimo EXEA, membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE).

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